Para a democracia brasileira, o momento é de perigo por todos os lados. Corre o risco de não sobreviver sem um impeachment do atual presidente da República, Jair Bolsonaro. Mas também pode acabar em ruptura, caos social e violência, por outro lado, caso um impeachment do presidente seja realizado de maneira precoce, negociado às pressas e sem envolver todas as forças democráticas da sociedade.
A avaliação é do pesquisador Marcos Nobre, professor livre-docente de filosofia da Unicamp e presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Em seu recém-lançado e-book “Ponto-final: a guerra de Bolsonaro contra a democracia”, o primeiro de uma coleção de ensaios lançados pela editora Todavia sobre a pandemia, o filósofo argumenta que a emergência sanitária tornou ainda mais evidente a convicção autoritária do presidente.
“O impeachment é o único horizonte político regenerador que a gente tem”, afirma Nobre, que considera fundamental a formação de uma grande coalizão de partidos, segmentos da sociedade civil e até pilares do governo Bolsonaro, como as Forças Armadas, para garantir governabilidade ao próximo presidente a ser eleito no Brasil, em 2022.
“Mas um impeachment é uma coisa que precisa ser construída, não é uma coisa que você decreta pela vontade ou pela raiva”, diz.
Além de forte rejeição popular a Bolsonaro – o que Nobre prevê que acontecerá à medida que aumentarem as mortes por covid-19 e se agravar ainda mais a crise econômica -, o caminho até o impedimento do presidente precisa também envolver uma negociação dura, conduzida por uma frente ampla, sobre quais serão as regras para o próximo governo e quais as aspirações da sociedade depois do governo Bolsonaro.
Nos moldes do que foi, na visão do pesquisador, o impeachment do ex-presidente Fernando Collor, em 1992, e bem diferente do que foi o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016.
“Tem que colocar o STF, tem que colocar o Congresso, já com as Forças Armadas e com o vice-presidente”, diz. “Não pode ser um ato voluntarista de um pedaço da sociedade, não pode”.
No livro, Nobre afirma que é a vocação autoritária e “contra o sistema” de Bolsonaro que explica, por exemplo, porque o presidente abriu mão da oportunidade de ganhar mais popularidade ao seguir a bem-avaliada condução do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta no combate à covid-19.
“[Bolsonaro] abriu mão de uma popularidade muito maior, e talvez de ganhar uma eleição em 2022 de maneira muito mais fácil, porque discorda da democracia. Porque para ele o ‘sistema’ é a democracia, e a democracia é de esquerda”, afirma Nobre. Bolsonaro forma agora seu governo “de guerra” para se defender de um eventual impedimento, e nesse governo não pode haver discordância ou ministros mais populares que ele.
Os próximos meses serão difíceis para os brasileiros, mesmo nos melhores cenários do pesquisador. “É muito triste que a gente não possa diminuir esse sofrimento, evitar as mortes que poderiam ser evitadas. É tristíssimo isso. É deprimente”.