O sonho não acabou
Dentro do mesmo vagão, povo quer Brasil de volta aos trilhos
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emNo país da ficção, nada é fake, nada é mentiroso. Tudo é fato, a começar pelo desejo do governante que, sem nada a perder, galgou degraus nunca dantes imaginado. Competência? Claro que não. E ele mesmo sabe disso, embora sua alma narcisista sempre tenha se imaginado como a última bolacha do pacote. Eleitor desde o século passado, credito sua ascensão à subserviência de alguns, à loucura de outros e, sobretudo, à incapacidade eleitoral de muitos que não conseguem pensar na pátria como bem de todos. No caso específico, também podemos incluir como fundamental no desastroso resultado final a insatisfação de determinado grupo, que preferiu votar contra um apenas para ver o que o outro faria.
Não acreditavam no imponderável. Pagaram para ver e estão vendo. Até agora, nada de produtivo. Estou à vontade, porque, desde a eleição e a posse, firmei com Apparício Torelly, o lendário e autodenominado Barão de Itararé, algumas teses inabaláveis do ponto de vista do conhecimento humano. Uma delas, talvez a principal, afirma que os homens nascem iguais, mas no dia seguinte já são diferentes. Obviamente que a lógica da frase está invertida. Quem se dizia diferenciado, eminente, renomado e superior acabou pior do que o congênere acusado de um monte de coisas ruins. O governo claudicou e seu líder sucumbiu nos porões.
Não escrevo para defender ou acusar esse ou aquele governante. Entretanto, inevitável algumas comparações. Devo entender como verdadeiras todas as peripécias do outro presidente, mas impossível negar que ele e seus colaboradores supostamente roubavam o povo que tinha mais dinheiro, menos inflação e mais comida na mesa. O Brasil era infantilmente dividido entre coxinha e pão com mortadela, mas, inegavelmente, mais ordeiro, menos hostil, mais hospitaleiro, mais respeitado no exterior, menos belicoso e, principalmente, mais feliz. As desigualdades eram basicamente as mesmas. No entanto, até as empregadas domésticas conseguiam visitar a Disney.
Aliás, quem disse que elas não podiam sair da cozinha foi o czar da Economia, o mesmo que não se mostra capaz de frear o que prometeu combater. Vale lembrar que hoje o pobre e o antes farto frango sequer se cumprimentam. É sempre assim. Mais uma vez recorro a outra pérola do Barão de Itararé, para quem “não é triste mudar de ideias. Triste é não ter ideias para mudar”. É a velha história de acreditar em quem não merece crédito, máxima sintetizada na expressão itareriana “de onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo”. Enfim, contra fatos não existem pressupostos, tampouco considerandos ou afabulações.
Por falta de sapiência, excesso de argumentos vazios e pífio entendimento sobre o que quer dizer governo, chegamos ao fundo do poço, com tendência suicida de transformarmos a cacimba em despenhadeiro. Apesar das pesquisas indicarem o contrário, grupelhos de fanáticos e de fanatizadores trabalham para isso. Lá atrás, certamente a contra gosto, o povo apostou no que não se podia medir. Mediram errado e a facada acabou atingindo uma nação inteira. O tempo passou e está aí a prova de que o peso político-cultural do escolhido realmente não era significativo.
Estamos todos – gregos, troianos, paulistas, cariocas, mineiros, gaúchos e nordestinos, incluindo os baianos – no mesmo balaio. Plantamos vento e já começamos a colher tempestades. Para nossa sorte, se nada de anormal ocorrer, não acabaremos como o trem, que nunca muda de caminho. O Brasil vai mudar. E para melhor. A ordem é seguir os ensinamentos do mestre dos mestres e nunca desistir de viver o melhor da vida. Não acreditemos 100% na tese filosófica e pontual do imortal John Lennon. O sonho não acabou. Se ele acabar em uma padaria, tentemos encontrá-lo em outra.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978