Adilson, funcionário da prefeitura, havia sido designado para retirar os quase 30 ocupantes do antigo hotel Aurora. A estrutura, muito comprometida, poderia cair a qualquer momento. Não que o prefeito se preocupasse com aqueles mulambos, mas as eleições estavam próximas. Imagine o que a imprensa iria falar!
Sexta-feira. Que era o melhor dia para colocar aquele povo todo no olho da rua. Isso mesmo, pois é nesse dia em que os cidadãos estão com as mentes voltadas para coisas mais importantes, como tomar aquela gelada com os amigos ou paquerar na esquina.
Diante daquela construção caindo aos pedaços, ali estavam vários homens reunidos em volta de Adilson, que passava os pormenores da situação. Vale dizer que ele lembrou a todos que aquela seria uma operação de desocupação, pois o antigo hotel seria implodido dali a dois dias. Ademais, Adilson ressaltou que não queria violência, ao mesmo tempo em que entregava um porrete para cada um daqueles brutamontes.
A expulsão se deu em menos de uma hora. Ninguém morreu, é verdade, apesar das paredes e do piso banhados pelo sangue de alguns, talvez menos obedientes. Situações que fogem do controle, alguém poderia dizer. Seja como for, não era culpa do Adilson se aquela gente não tinha um teto. Problema deles!
O funcionário da prefeitura, assim que constatou que o último ocupante havia sido retirado, resolveu fazer uma vistoria. Foi acompanhado pelo Noronha, um subalterno. Passaram por todos os cômodos. Ninguém no local. Já estavam de saída, quando os homens ouviram um barulho vindo do quarto no final do corredor.
Diante da porta, entraram no recinto. Ninguém. Novamente o barulho. Abriram a cortina e viram dois filhotes de pombos num humilde ninho no cantinho da sacada. Não se sabe se entrou algum cisco nos olhos do Adilson, que começaram a lacrimejar, bem como a sua voz saiu rouca.
– Pois é, Noronha! A vida não tá fácil pra ninguém.
*Texto republicado por ter sido editado com incorreções