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Caminho do caos

‘Desordem social será a marca da pós-pandemia’

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Autor/Imagem:
Ligia Guimarães/BBC News

A pandemia da covid-19 já alterou bastante a rotina do economista servo-americano Branko Milanović. Em vez de visitar o Brasil, como era seu plano para a primeira semana de junho, o professor viajou na semana passada para a Califórnia.

Pretende ficar um tempo por lá em isolamento social, já que estão suspensas as aulas na City University of New York (Cuny), em Nova York, onde dá aulas de economia ligada à desigualdade social. “Mas não dá para fazer planos atualmente”, pondera.

Milanović, que é um dos maiores especialistas em desigualdade do mundo e trabalhou por mais de 20 anos como economista no Banco Mundial, viria ao Brasil para divulgar o livro Capitalismo sem rivais, lançado na terça-feira (03/05) no país pela editora Todavia.

Dedicando-se a observar e a escrever sobre as mudanças que a pandemia já trouxe e os impactos que ainda estão por vir, ele prevê que a globalização, com suas chamadas cadeias globais de valor, que dividem a produção das grandes empresas entre diversos países, parecerá menos atraentes depois da pandemia. “A prevalência delas [das cadeias globais de valor] pode diminuir.”

O economista prevê, em um cenário de mais curto prazo, problemas para os países que, segundo ele, conduziram mal a crise da pandemia, como Estados Unidos, Itália, Reino Unido e Brasil. Quando o medo de pegar a doença diminuir, cenas de desordem social como as que já ocorreram no Chile serão mais frequentes, diz.

“Vai haver desordem social e comoção social em muitos países quando a pandemia se tornar menos importante. Porque quando a pandemia está muito muito forte, as pessoas ficam com medo, podem não lutar. Mas depois disso, e você vê isso no Chile e tenho certeza de que verão isso no Brasil, veremos nos Estados Unidos e em outros países. Esse é um outro perigo da pandemia”, afirma, em entrevista concedida à BBC News Brasil por telefone.

Milanović, que se dedica ao tema desde 1987, quando obteve seu PhD pela Universidade de Belgrado com uma dissertação sobre a desigualdade na Iugoslávia, diz que ser desigual traz muitos efeitos negativos para sociedades que convivem com o problema, como o Brasil.

“A desigualdade alta significa que algumas pessoas nunca têm a chance de ir à escola, de se educar, trabalhar e contribuir com a sociedade”, diz, acrescentando que, em países em que poucos concentram a riqueza, os mais ricos acabam também controlando o processo político e as leis que os mantenham no poder.

“Então, o país que tem desigualdade alta agora também é o país que, no futuro, terá a mesma desigualdade alta e a mesma situação de baixa renda para as mesmas pessoas.”

Leia os principais trechos da entrevista:

Nós estamos conversando em um momento muito especial da história. Como o senhor está? Como a pandemia afetou sua rotina até agora?

Eu estou ok. Eu estava em Washington, agora estou na Califórnia. Mudei totalmente a minha rotina. Eu estaria agora dando minhas aulas em Nova York, estaria viajando para lançar as diferentes traduções do meu livro [inclusive no Brasil], é uma enorme mudança.

É verdade que o senhor está escrevendo um novo capítulo para o livro, sobre a covid-19?

Houve uma espécie de discussão. Vários editores gostariam que eu adicionasse não um capítulo, mas um adendo, falando sobre a crise, sobre a pandemia e sobre as implicações dela para o capitalismo, para as relações entre a China e os Estados Unidos.

Há muitos tópicos, são coisas que não vou escrever pelo menos pelas próximas três ou quatro semanas. Serão incluídas em algumas edições, em outras, não.

O que já se pode ver de mudanças causadas pela covid-19 até agora?

Acho que já mudou bastante coisa. Mudou, por exemplo, em termos de globalização, mudou a percepção sobre as cadeias globais de valor (os processos de produção em vários estágios, que podem ser desempenhados em países diferentes). A prevalência delas pode diminuir, porque as pessoas podem perceber que há ferramentas e mecanismos muito eficientes para quando as coisas funcionam de acordo com seja lá o que for que você tem planejado.

Mas quando há um choque externo, que não pode ser planejado, e você não tem nenhuma redundância ou meios adicionais de absorver o choque, e aí você tem a situação em que sua produção se torna refém daquele choque.

Em segundo lugar, à medida que a relação entre Estados Unidos e China piora, em parte por causa da pandemia, então é claro que você vai rever não apenas seus investimentos na China, mas também em todo lugar, porque eles podem ser, novamente, vítimas de eventos geopolíticos que, eu acho, estávamos subestimando antes.

O terceiro efeito será no nível dos países que tiveram uma reação muito ruim à pandemia, incluindo Brasil, Estados Unidos, Reino Unido e Itália.

Na verdade, isso levanta a pergunta: como podem países que têm milhares de epidemiologistas, como nos Estados Unidos, que têm centenas de escolas de políticas públicas, como podem ter se saído tão mal em uma emergência?

O sistema que deveria reagir a isso falhou tremendamente. Se você olhar centenas de escolas de políticas públicas que tinham, provavelmente, dezenas de milhares de pessoas que escrevem papers sobre pandemias e o que fazer… E daí quando uma em cem anos acontece, não há nada que podem fazer.

Eu acho que o último ponto é que agora nos EUA, acho que é a ponta do iceberg. Vai haver, como dizer, desordem social e comoção social em muitos países quando a pandemia se tornar menos importante.

Porque quando a pandemia está muito forte as pessoas ficam com medo, podem não sair e lutar. Mas depois disso, e você vê isso no Chile e tenho certeza de que verão isso no Brasil, veremos nos Estados Unidos e em alguns outros países. Esse é um outro perigo da pandemia.

Sobre desigualdade. Guerras, geralmente, reduzem a desigualdade por um motivo ruim, porque todos ficam mais pobres. O mesmo acontece em pandemias, do passado e na atual?

Há diferentes pandemias. Acho que temos pensado em pandemias muito influenciados pelo que aconteceu no século 14 na Europa [da peste negra], e você teve uma pandemia que matou um terço da população e aumentou os salários, o que reduziu a desigualdade.

Mas isso não vai acontecer agora. Essa pandemia não vai matar um terço da população.

Então eu acho que essa pandemia, diferentemente, vai elevar a desigualdade, porque as pessoas que estão perdendo empregos e as pessoas que têm salários ameaçados são basicamente pessoas que são menos qualificadas.

Então, acho que o custo da pandemia vai ser mais alto entre os mais pobres do que entre os ricos. Então, se ocorrer algo, acho que vai elevar a desigualdade.

Especificamente sobre esse tópico, é verdade que se houver um declínio significativo no mercado de ações, como pareceu ser o caso nos EUA no começo, eles podem perder muito também, como aconteceu na grande crise financeira global.

Mas, para simplificar, eu diria que o mais provável é que essa pandemia aumente a desigualdade de renda.

O Brasil, como o senhor sabe, é um país historicamente desigual, e atualmente polarizado. Apesar disso, a desigualdade é um tema controverso e muitos argumentam que o importante é combater a pobreza e não a desigualdade. Por que é importante estudar a desigualdade?

É uma boa pergunta que muitas pessoas me fazem. É essencialmente uma falsa dicotomia dizer se é importante a pobreza ou a desigualdade, porque obviamente a pobreza, se você colocar assim, é mais importante. A pobreza é mais importante porque não deveria haver pessoas vivendo na extrema pobreza, sim. Claro, o objetivo do crescimento econômico é, na verdade, reduzir a pobreza.

Mas a desigualdade é extremamente importante por uma série de motivos. Eu resumiria em três. Um é que temos mais e mais evidência de que desigualdade alta é ruim para o crescimento. Porque o que a desigualdade alta significa é que algumas pessoas nunca têm a chance de ir à escola, de se educar, trabalhar e contribuir com a sociedade.

Em segundo lugar, é muito ruim porque leva a uma desigualdade de oportunidades, e sabemos que a desigualdade de oportunidades não é boa para o crescimento econômico e não é boa para a estabilidade social. Em outras palavras, temos atualmente muita evidência empírica de que há uma ligação entre alta desigualdade e baixa mobilidade social.

Então, o país que tem desigualdade alta agora também é o país que, no futuro, terá a mesma desigualdade alta e a mesma situação de baixa renda para as mesmas pessoas. É ruim ideologicamente e ruim, empiricamente, em termos de crescimento.

E o terceiro motivo é que a desigualdade é muito fortemente ligada à habilidade dos ricos de controlarem o processo político. O que significa que os ricos são capazes de introduzir e sustentar leis e regras que os mantenham no poder.

Então, por todas essas razões, políticas, ideológicas, ou puramente econômicas, acho que a desigualdade é uma grande questão. Comparar pobreza com desigualdade não tem significado nenhum, porque sim, pobreza é pior.

A pandemia tem exposto muito as desigualdades brasileiras, que sempre foram conhecidas mas estão sendo mais comentadas. Quando a covid-19 chegou ao país, havia 38 milhões de pessoas trabalhando no mercado informal, e 12 milhões de desempregados. Acha que os efeitos da covid serão muito diferentes em países assim?

Para o futuro? Estou muito pessimista em relação a isso. Acho, na verdade, que Brasil e Estados Unidos são exemplos de países com alta desigualdade, mas, especialmente no Brasil mas também nos EUA, é largamente histórica e estrutural.

Essencialmente, simplificando, esses dois países sofrem uma longa sombra da escravidão. A escravidão terminou no Brasil em 1888 no Brasil e durou até 1865 nos EUA, 150 anos atrás, mas ainda muito presente.

Porque as pessoas que têm renda muito mais baixa são os negros da América. As taxas de encarceramento nos EUA são de 1% da população, que está entre as mais alta do mundo, só países como a Arábia Saudita têm maiores ou algo assim.

Esses dados mostram, realmente, problemas estruturais. E quando você tem uma pandemia como essa, que afeta pessoas que não têm moradia, por exemplo, ou quem mora em pequenas casas ou barracos onde há várias pessoas em um cômodo, ou que têm que trabalhar e não podem ficar em casa… Só poucas pessoas como nós podem ficar em casa e trabalhar de casa.

E eu simplesmente não vejo isso desaparecendo quando a pandemia terminar. Favelas não vão desaparecer, trabalhadores informais não vão desaparecer, a discriminação não vai desaparecer. É por isso que eu acho que haverá convulsão social e protestos, mas eu simplesmente não vejo as forças políticas lidando com isso.

Nos Estados Unidos, desde 1965 houve o movimento civil conhecido como “a guerra contra a pobreza” [nota da edição: nome da lei introduzida em discurso pelo presidente Lyndon B. Johnson].

Já se passaram 55 anos desde então, são quase três gerações, e o progresso é mínimo.

Ao ler seu livro, que traz uma imagem mais aprofundada da China do que é predominante, muitos lhe fariam a pergunta: quer dizer que a China agora é capitalista? O senhor poderia explicar?

Muitas pessoas estão erradas porque acham que só porque a China tem um partido que chama comunista que está no poder, então acham que é um país comunista. Primeiro, os nomes dos partidos são nomes históricos, muitos têm nomes que não têm nada a ver com o que eles são. Você não deve se deixar levar pelo nome do partido para decidir se um país é de um jeito ou de outro.

Você tem o partido Vox na Espanha, o que significa? O Alternative für Deutschland, na Alemanha. Essa é uma razão. Mas é preciso olhar nas características do capitalismo e se essas características econômicas estão presentes em determinada economia.

Se você olhar a definição mais aceitável e usada por Marx e Max Weber para capitalismo é a de que a maior parte da produção é realizada por meios de produção da propriedade privada e por lucro.

O segundo ponto é que a mão de obra é contratada por detentores do capital, e a coordenação é descentralizada (ou seja, sem que alguém imponha as regras às empresas).

Você olha para a China e quantifica cada um desses fatores. O peso do Estado no PIB, no que se refere à produção, não passa atualmente de 20% do PIB, e a mão de obra empregada no setor público, nas empresas de propriedade coletiva, são apenas 9%. Percentuais parecidos com os registrados na França no início dos anos 80.

Esse é o argumento. De que o Estado controla algumas funções, como a produção de aço, por exemplo, mas acontece em muitos países também. E há o controle do sistema bancário, que obviamente é muito importante, mas muitos países têm bancos estatais.

Na China provavelmente há mais, e com mais poder do Estado, mas isso não te faz não capitalista se a produção é conduzida pelo setor privado. E no livro eu mostro que isso não é baseado em aproximações, mas em fatos verificados.

Como a ausência de democracia na China influencia a economia?

Eu acho que é um tópico importante porque, antes de mais nada, há uma percepção errada em algumas pessoas de que quando você tem capitalismo você tem que ter uma sociedade democrática. Isso é, obviamente, historicamente não é verdade.

É claro para alguém no Brasil, por exemplo, o Brasil teve 25 anos no sistema capitalista mas sem democracia. O mesmo é verdade para a Espanha, para Grécia, Coreia do Sul, e até para países ricos como o Reino Unido.

Ou os EUA, país capitalista já quando tinha escravidão. Então, essa ideia de que o capitalismo e os governos liberais caminham juntos é apenas um caso, o capitalismo pode ir junto com quase qualquer sistema político.

E é um elemento importante porque a China é o segundo país mais importante do mundo e tem um sistema político autoritário e o capitalismo como um sistema econômico, e tem um sistema econômico que tem produzido resultados extremamente bons.

Antes da pandemia o senhor via uma crescente convergência de renda entre América do Norte, Europa e Ásia, que tem reduzido a desigualdade em nível mundial, por meio da emergência de uma “classe média global”. Nesse novo mundo, a América Latina não teria grande protagonismo. A situação da América Latina piorou depois da pandemia?

Quando eu falo de convergência estou focando na convergência dos países asiáticos, não só a China, como Vietnã. Indonésia, Tailândia, e obviamente e países que se tornaram ricos como Taiwan, Coreia do Sul e Japão. Houve uma convergência significativa entre a renda asiática e a renda europeia e americana.

Isso mostra claramente que o período depois da revolução industrial até os anos cinquenta foi um período muito pouco usual em que a distância entre o ocidente e a Ásia aumentou, porque no passado o capital deles era muito pequeno ou inexistente.

A América Latina não tem um papel tão grande nesse contexto global porque a América Latina continuou mais ou menos à mesma distância dos países ricos como era antes. Nem convergiu, nem divergiu. Quando você faz o ranking, não muda tanto de posição.

Segundo, a América Latina, quando você olha para a desigualdade global, não influencia muito o que acontece na desigualdade global, primeiro porque nem convergiu, nem divergiu, e segundo porque foi eclipsada neste século pela África, que tem, na verdade, tem uma taxa de crescimento populacional incrivelmente alta.

Então, a África vai começar a ter um impacto muito grande na desigualdade global, simplesmente porque é o único continente com um aumento muito grande da população. É por isso que a América Latina, apesar do seu tamanho, não tem grande influência na desigualdade global.

Além disso, não houve mudança significativa na desigualdade latina. Sim, nos últimos anos a desigualdade em muitos países, incluindo o Brasil, diminuiu.

Mas não transformou a América Latina em uma sociedade mais igualitária. Na verdade, a América Latina era muito desigual e continua muito desigual hoje. É por isso que a América Latina, quando você olha em termos de mudança, não tem muita influência porque está, de certa maneira, estática.

Isso é interessante falando globalmente, porque a Ásia não estava estática, obviamente, e se você olha para a Europa, não esteve estática na primeira parte do século 20 até 1980 em termos de desigualdade, porque reduziu a desigualdade de maneira muito significativa. Por exemplo, a Inglaterra era mais desigual que o Brasil em 1850, ou em níveis parecidos, nos anos 1950, a desigualdade da Inglaterra era metade da do Brasil.

Dá para fazer comparações entre as elites do capitalismo chinês e do capitalismo americano?

Não tenho certeza, mas o que eu menciono no fim do livro é a possibilidade de que as duas elites nos dois casos, no capitalismo liberal e no capitalismo político, se tornem mais parecidas no sentido de que elas sejam capazes de controlar o processo político e o processo econômico.

Por isso eu quero dizer que, em um país como os Estados Unidos eles conseguem, por meio do poder econômico, controlar o poder político.

Mas em países como a China é o contrário: pelo poder político, eles conseguem controlar o poder econômico para eles e para seus amigos. Oportunidades econômicas. Mas, no fim, a elite econômica e a política são as mesmas pessoas.

O Brasil também se encaixa nessa descrição, não?

Eu acho que sim, meu conhecimento de Brasil não é bom o suficiente. Mas parece que essas pessoas têm influência no processo eleitoral.

E a corrupção na China? Como influencia a dinâmica da desigualdade no capitalismo?

Eu acho que, a princípio, a corrupção aumenta a desigualdade. Não sabemos muito sobre isso porque, por definição, não sabemos muito sobre corrupção. E não acho que há estudo empírico conclusivo.

A corrupção aparece quando você tem decisões discricionárias e eles têm que manter assim porque essa é a característica do capitalismo político [modelo vigente na China]: os políticos têm o poder, e podem aplicar ou não esse poder. Eles não têm a regra de que a lei deve ser aplicada a todos igualmente.

É assim que a corrupção se torna uma parte importante do capitalismo político. Eu uso no livro os dados oficiais da China – uma base pequena, porque eu não falo chinês – e usei 300 casos de corrupção, e eles provavelmente têm 30 mil.

O ganho obtido pela corrupção aumenta conforme o nível administrativo territorial; ele é menor no nível local e maior no nível central. O que faz sentido, porque quanto maior a responsabilidade, maior sua capacidade de vender aquelas posições.

Isso mostra a importância de ter poder político. E mostra que há relação direta entre a sua posição e sua habilidade de roubar dinheiro. Há gráficos muito reveladores no livro.

Como a pandemia irá mudar a relação do mundo com a China?

Eu acho que há aspectos positivos e negativos. Porque a China foi a responsável pelo começo da pandemia e reagiu muito rápido no começo. O ponto positivo é que quando começou a reagir, foi muito eficaz. E o positivo é que está tentando ajudar mais países agora, para tentar deixar uma impressão mais positiva, de boa vontade.

E a China será muito menos afetada economicamente pela pandemia do que os Estados Unidos, o que obviamente vai ajudar a posição da China.

E, finalmente, o que não irá ajudar a posição da China é que os Estados Unidos perceberam agora, tanto os democratas quanto republicanos, que a China é um um competidor sério e global. É por isso que eu chamo de momento “sputnik”, porque os Estados Unidos perceberam que a União Soviética era um competidor sério quando foi capaz de lançar o Sputnik antes dos Estados Unidos.

Os Estados Unidos são mais poderosos agora, e isso pode tornar a relação entre a China e os Estados Unidos muito pior.

A desigualdade é um problema difícil de mudar, não acontece rapidamente. E no Brasil é uma desigualdade histórica, que, como o senhor cita no livro, vem desde colonização, e que envolve renda, oportunidades, quase a lista toda de desigualdades que o senhor cita. O senhor acha que, nesse caso, acabar com a desigualdade é uma utopia no Brasil?

Não, eu não acho. A desigualdade no Brasil é alta, muito alta, uma das maiores do mundo, mas tem caído. Sei que há argumentos de pessoas mostrando com dados confiáveis que [a fatia da renda concentrada pelo] 1% mais rico não foi reduzida.

Mas mesmo que isso seja verdade, a desigualdade entre a população tem sido reduzida, e acho que isso começou no [Fernando Henrique] Cardoso, continuou no Lula, continuou na Dilma. Não foi uma redução radical, mas foi uma redução significativa.

Também sabemos quais são os mecanismos que causaram essa redução. Foram basicamente três: primeiro, o aumento do salário mínimo; segundo, o aumento no nível da educação, que reduziu o abismo para os trabalhadores qualificados em relação ao que era antes, há muito dado de qualidade sobre isso, o Brasil teve um aumento significativo no número médio de anos de estudo nos últimos 20, 25 anos. E o último e terceiro elemento é o programa de transferência de renda, Bolsa Família.

Se você analisá-los, um deles é puramente uma questão de desenvolvimento, aumentar o nível de educação, que é um fator econômico. E os outros dois são fatores de políticas: aumentar o salário mínimo, menos pessoas no setor informal, e também as transferências de renda. Então, as coisas podem ser mudadas, não de um ano para outro, mas é errado se tornar fatalista e acreditar que nada pode ser mudado.

As coisas podem ser mudadas. Mas a questão é se vai haver determinação de quem faz as políticas públicas para fazer alguma coisa, ou não.

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