Depois da surpresa na votação de domingo passado, a campanha eleitoral tomou rumos estranhos. Mais de 40% dos brasileiros votaram em um candidato à reeleição, que tem como portfólio 670 mil mortos pela Covid e a destruição de políticas públicas – da segurança alimentar à vacinação infantil; do meio ambiente à educação e ciência. Lula, que tem um governo democrático com bons indicadores sócio econômicos para mostrar, ficou apenas 3 pontos acima dele.
O que parece ter tirado qualquer racionalidade do debate. O vídeo de Bolsonaro discursando em uma loja maçônica (verdadeiro), e a imagem em que aparece embaixo de uma imagem de um ídolo pagão (montagem), viraram armas para reagir a mentiras que associaram Lula ao demônio e à sua suposta versão em carne e osso: os “bandidos”. Não vamos esquecer que, na véspera do primeiro turno, o presidente do TSE teve que impedir a circulação de conteúdos relatando uma suposta declaração de voto a Lula por parte do principal líder do PCC. Durante o debate da TV Globo, Bolsonaro chamou Lula de criminoso 34 vezes, como relatou reportagem da Agência Pública sobre a construção dessa narrativa.
Entendo a tentativa de retribuir à mistificação que estaria rendendo votos para o lado de lá. Mas acho que esse não deve ser o território do debate da oposição até por uma razão pragmática: é a realidade a maior arma para Lula vencer as eleições. Mesmo que obscurecidos por mentiras e distorções, é quando os fatos prevalecem que Bolsonaro perde. Não é por outro motivo que os ataques à imprensa são a marca do seu governo.
O retrato fiel do país sob Bolsonaro, a exposição das ameaças à democracia e das agressões aos direitos humanos nas suas diversas dimensões despertam a urgência de tirá-lo do poder e impulsionam a frente democrática catalisada por Lula. São as informações reais que clamam pelo restabelecimento dos preceitos constitucionais, das políticas públicas construídas democraticamente, da força das instituições, do respeito do governo por cada um dos cidadãos brasileiros.
Se a troca de acusações é inevitável em uma campanha violenta como a desse ano, não faltam denúncias nada sutis contra Bolsonaro, incluindo as de corrupção, com as quais o PT ainda parece lidar com um certo desconforto. Tarde demais. Se as explicações sobre os escândalos de seu próprio governo não convenceram boa parte da população até agora, é inegável a corrupção em curso do governo Bolsonaro – do orçamento secreto que rouba recursos da ciência e da educação à compra de votos com dinheiro público travestida de programa social; além de evidências como a fortuna acumulada pela família Bolsonaro (incluindo os tais 51 imóveis em dinheiro vivo), a barra de ouro do pastor do MEC, as maracutaias da vacina expostas na CPI do Congresso.
São os fatos – e o jornalismo – que podem fazer a diferença em uma campanha movida à desinformação e violência. Se não for suficiente para ganhar as eleições, ainda será a melhor aposta pela democracia.