Clítoris, o poeta
Deusa de tempos homéricos deixa amante para a eternidade
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emComo as fêmeas da espécie humana ganharam o clitóris, órgão único, destinado exclusivamente ao prazer? Alguns mencionarão o bom e velho Darwin e a evolução das espécies. É uma hipótese plausível, mas existem outras. Vejam uma delas, um pouquinho heterodoxa.
Clítoris era um poeta grego dos tempos homéricos. Na verdade, tinha uma bronca enorme do bardo cego, que deu nome a sua época.
– Tempos homéricos… absurdo! Se aquele imbecil não existisse, minha época certamente seria chamada de tempos clitorianos.
Otimismo dele. Clítoris era um bom poeta, mas incapaz de atrair multidões para ouvir, embevecidas, os feitos de Aquiles, Heitor e outros heróis da Guerra de Troia. A rigor, ele nem se propunha a tanto.
Seu ideal era atrair multidões de mulheres para escutar, em êxtase, seus poemas eróticos. Pois Clítoris não era um grego típico, não curtia uma bundinha de efebo, macia como um pêssego. Gostava de transar com mulheres, exclusivamente com mulheres e, em especial, de dar prazer a elas. E as oportunidades para isso eram escassas, a grande maioria das filhas da Hélade ficava em casa, cuidando dos filhos, enquanto seus esposos gozavam nos braços (ô coisa pra ter nome) dos amigos.
Em outras palavras, Clítoris era um adorador de mulheres sem as ditas cujas para venerar, um poeta erótico que, nos tempos (argh) homéricos, não tinha como dar vazão a seu erotismo. Sua aparência também não ajudava. Era pequeno e delgado, fazendo lembrar um grelo, um broto vegetal. Também tinha uma sensibilidade extrema, aspecto negativo numa época de guerreiros brutais. E mais, estava com 59 anos, o que fazia dele um velho decrépito, em uma época em que um homem de 40 anos já era um ancião. Por tudo isso, eram praticamente nulas as chances de Clítoris alcançar a imortalidade como poeta e, em especial, de realizar seu sonho de dar prazer às mulheres.
Certa tarde, Clítoris passeava pelos campos quando viu uma mulher sendo atacada por dois homens que tentavam estuprá-la. Enraivecido por presenciar o ultraje a uma mulher, o ser mais perfeito que os deuses haviam criado, esqueceu sua idade avançada e sua debilidade física, pegou um pedaço de pau no chão, correu em direção aos agressores e derrubou um deles com uma pancada violenta. O outro, assustado, fugiu.
Enquanto o poeta respirava, ofegante, a quase vítima transformou-se. Suas feições tornaram-se belíssimas, suas roupas caíram no chão e seu corpo nu passou a irradiar um fulgor dourado. Devoto das divindades do Olimpo, Clítoris reconheceu-a de imediato: estava diante de Afrodite, a Mulher, deusa da beleza e da sensualidade.
– Per… perdoai este pobre mortal por presenciar o ultraje a vossa divina pessoa, ó Afrodite, bela entre as belas – balbuciou o poeta.
A deusa sorriu e explicou:
– Na verdade, eu estava me divertindo, vendo até onde os pobres idiotas iriam, antes de fulminá-los – interrompeu-se como se lembrasse de algo a fazer, estendeu a mão e transformou em pó o assaltante que jazia desmaiado. – Mas vossa intervenção comoveu-me. Concedo-vos um favor, pedi o que quiserdes.
Clítoris pareceu pulsar e crescer, tamanha era a emoção. Em seguida falou:
– Ó divina Afrodite. Permitir-me-eis falar-vos em helênico coloquial? Quando estou nervoso, confundo as construções da linguagem formal.
A deusa suspirou de alívio.
– Ah, que bom! Acho um saco essa linguagem empolada, cheia de mesóclises – sorriu e o incentivou:
– Então, manda vara. O que desejas?
– Ah deusa, sei que só tenho direito a um pedido, mas queria duas coisas. A primeira, dar prazer às mulheres. A segunda, imortalizar meu nome, como o daquele corno do Homero!
Afrodite, que havia apoiado os troianos contra os aqueus e por isso não gostava muito de Homero e suas louvações a estes na Ilíada, assentiu, depois olhou para Clítoris atentamente, como se o examinasse por dentro e por fora.
– Olha, tua aparência não é muito boa, pareces um grelinho de planta. E estás velho, tens pouquíssimo tempo de vida. Em contrapartida, és extremamente sensível. Humm – interrompeu-se, pensativa. Depois continuou:
– Há um meio de atender teus dois desejos. Mas terias de abandonar teu corpo. Que, diga-se, já está bem detonado. Entregas-te a mim?
– Sem dúvida, ó filha da espuma, nascida nas águas do mar, bela entre as belas – respondeu Clítoris, pulsando de excitação.
– O que vou fazer é abater-te e transplantar tua extrema sensibilidade para o negocinho das mulheres. Ele é meio rudimentar, mas com o acréscimo de tuas terminações nervosas, vai se tornar um instrumento infalível de prazer.
Deteve-se por um momento, tomou fôlego e continuou:
– Quanto a imortalizar teu nome… Não posso dar o apelido de um ser humano à coisinha das mulheres, mas posso chegar perto, chamá-la de clitóris. Vai ser uma paroxítona, que nem o nome de Homero, aquele baba-ovo dos aqueus. Garanto-te que no futuro muitos vão errar a pronúncia e dizer o teu nome, Clítoris.
Afrodite sorriu.
– E tem mais, daqui a milênios, só os acadêmicos falarão nos tempos homéricos, mas os orgasmos clitorianos vão ocorrer para todo o sempre.
E perguntou, ainda mais bela e fulgurante:
-Então, mortal, entregas teu corpo para dar prazer às mulheres, até o fim dos tempos?
– Sim!! – respondeu o poeta com um sorriso feliz. E caiu morto.
No mesmo momento, por todo o mundo, as mulheres sentiram uma sensibilidade acrescida em suas partes íntimas. E sorriram, como se tivessem recebido de presente uma bijuteria bonita, ou como um gato que acabasse de devorar um canário.