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Ceará

Devaneios de Amarildo vão de duelo a apendicite

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Produção Irene Araújo

Amarildo, homem sem grandes feitos na vida, tentava aplacar a própria mediocridade em devaneios. Desse modo, não raro, imaginava-se na pele de algum desbravador, seja alguém que já teria existido, seja até mesmo algum Indiana Jones das telas do cinema.

Tamanhos pensamentos, o sujeito já havia atravessado o Atlântico tantas vezes, que perdera as contas. Cinco, seis, nove? Talvez duas dúzias, contando as viagens em navios piratas, sem mencionar aquela outra em uma jangada típica da sua Fortaleza.

Em uma dessas travessias, eis que houve um motim comandado pelo terrível Barba-Negra. Amarildo, justamente o capitão, foi atirado ao mar repleto de tubarões famintos. Por sorte do resquício de sonho naquele pesadelo, eis que surgiu um golfinho salvador. O homem, agarrado à barbatana dorsal do inesperado amigo, conseguiu sair ileso daquelas mandíbulas ferozes.

Após se ver a salvo, Amarildo se despediu do golfinho. O bicho tinha família e precisava retornar para o lar, doce lar, que ficava ali mesmo no salgado Atlântico. Ademais, o gajo só precisaria dar algumas braçadas para chegar a uma ilha no meio do oceano.

Não tardou, Amarildo pisou na alva areia. O local parecia deserto. Com a barriga roncando, ele tratou de arrumar algo para saciar a fome. Por sorte que às vezes acomete os aventureiros, ele encontrou alguns coqueiros carregados.

Com sua destreza, conseguiu pegar e abrir tantos cocos que desejou. Barriga cheia, sentiu, pela primeira vez desde que foi arremessado do seu navio aos tubarões, um leve sono.

Quase adormecido, Amarildo tomou um susto. Não era possível! O cruel e traiçoeiro Barba-Negra surgiu do nada e encostou a ponta da espada na barriga do Amarildo.

— Pensou que iria me escapar, Amarildo?

— Você de novo, Barba-Negra!

— Sim, Amarildo!

— Dê-me uma espada para lutarmos de homem para homem.

Barba-Negra, vendo aquele maltrapilho esvaído, teve um raro momento de compaixão. Desembainhou a outra espada que carregava e a jogou na areia ao lado do rival. Este, ligeiro que nem falcão-peregrino, pegou a espada e rolou para o lado para se desvencilhar do primeiro golpe do traiçoeiro rival, que cortou as areias da praia.

As lâminas afiadas logo começaram a travar o combate de uma vida. A cada toque entre elas, faíscas eram liberadas para surpresa dos animais que se juntaram para assistir ao duelo. Enquanto os macacos mostravam os dentes, os papagaios charlavam coisas ininteligíveis, enquanto duas serpentes, atrás de uma moita, sibilavam antes do acasalamento.

E lá estavam aqueles dois seres humanos digladiando, quando um dos oponentes, justamente o Amarildo, se distraiu com o zumbido de uma mosca e foi atingido na barriga pelo vil metal do Barba-Negra. E lá se foram as tripas do perdedor caírem sobre a areia. Não tardou, lobos, saídos não se sabe de onde, avançaram sobre o banquete de última hora.

Pobre Amarildo, contorcendo-se em dores, foi devorado vivo, enquanto o malvado Barba-Negra gargalhava alto para todos ouvirem.

— Há, há, há, há!!!

De tão alto, acabou despertando o Amarildo, que dormia na rede pendurada na varanda. Acordou suando em bicas e com forte dor no lado direito da barriga. Por sorte, foi socorrido ao hospital pelos vizinhos do edifício onde morava. Era apendicite.

*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.

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