A louca da família
Dia de chuva (e de prova), pé no acelerador, bafômetro e nota 10 em matemática
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emMinha mãe costuma me chamar de a louca da família. O pior é que nem eu consigo discordar, tamanho o número de vezes que me envolvo em situações esdrúxulas. Papai, então, nem fala mais nada, pois há muito percebeu que sua primogênita nasceu sem um pingo de juízo.
— Ih, a Salete é um caso perdido! Nem Jesus dá jeito naquela ali.
Outro dia, por conta de eventos alheios à minha vontade, acordei com aquela preguiça digna de domingo. O problema é que era segunda-feira, e eu precisava deixar a procrastinação de lado e partir para luta. No entanto, como alguém consegue se levantar da cama, quando o corpo e a mente estão decididos a continuar presos ao aconchego do cobertor?
— Mãe, a senhora não vai me levar pra escola?
Jojô, minha filha pré-adolescente, me grita nos ouvidos. Que coisa mais chata!
— Não quer ficar com a mamãe em casa hoje?
— Mãe, hoje tenho prova de matemática.
Matemática! Sempre odiei matemática! E agora tenho mais um motivo para continuar cultivando esse ódio. Se já não bastasse essa matéria dos infernos ter atazanado todo o meu período de escola, agora é motivo para a minha filha me retirar da cama. Deus, o que fui que fiz? Será que joguei pedra na cruz?
— Tá bom, Jojô! Já tô indo!
Tirando meu poder de mãe da cartola, consegui me aprontar em cinco minutos. E lá fui levar a minha linda garotinha para digladiar contra um teste cheio de números, frações, fórmulas sem qualquer razão de existir.
— Mãe, tô atrasada. Vou perder a prova.
Olhei de canto de olho para Jojô e não tive dúvida. Pisei fundo no acelerador, mas o tiro saiu pela culatra. O motivo? Fui parada por um policial.
— A senhora tem noção da velocidade que estava?
— Moço, minha filha vai perder a prova de matemática.
— Por acaso a senhora ingeriu bebida alcóolica?
— Claro que não!
— Vou precisar que a senhora assopre o bafômetro.
— Moço, eu não escovei os dentes. Será que vai dar chabu?
Por sorte, o policial achou graça, enquanto a Jojô ficou vermelha de vergonha.
— Pode ir, senhora. Mas não pise tão fundo.
Agradeci e, não tardou, chegamos à escola, no final da L2 Sul. Jojô me deu um beijo rápido e correu que nem uma maluca. Retornei para casa e, finalmente, escovei os dentes. Quando deu a hora, fui buscar a minha filha, que estava com um largo sorriso no rosto.
— O que foi? A mosca azul te picou?
— Mãe, tirei dez na prova!
Incrédula, encarei minha menina e pensei: “Tadinha, essa aí não é normal!”
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*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.