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Sai carne, entra ovo

Dias difíceis virão até o próximo verão

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Autor/Imagem:
Diogo Magri/El País - Edição Bartô Granja

Está difícil sobreviver no Brasil, mesmo que a pão e água. É o que relata reportagem do El País (na edição portuguesa) assinada por Diogo Magri. Personagem central do texto, Maria das Graças, 41, diz que sustenta seus quatro filhos com o dinheiro que tira de um salão de beleza que aluga como cabeleireira em Paraisópolis, zona sul de São Paulo. Desde o início da pandemia de covid-19, no entanto, viu sua única fonte de renda desaparecer —não só pelas restrições impostas pela fase emergencial em todo o Estado, mas pelo desemprego que impossibilitou seus clientes de continuarem indo ao salão.

Ela sobreviveu em 2020 com as parcelas do auxílio emergencial repassados pelo Governo federal, mas neste segundo ano a ajuda de custo será insuficiente. Mesmo recebendo a parcela mais vantajosa do novo auxílio, Maria não consegue colocar mais do que arroz, feijão e ovo no prato das crianças de 5, 8, 14 e 17 anos. “É doído ver o mais novo acordar com fome e não ter nada em casa. Como ele ainda não entende, fica ainda mais difícil”, relata ela.

Como mãe solteira, a cabeleireira tem direito a quatro parcelas de 375 reais do auxílio, a serem depositadas entre 20 de abril e 8 de agosto. Se a ajuda permitiu o abastecimento da casa durante 2020, a inflação de alimentos básicos dificultou a vida da população mais vulnerável em 2021. O preço médio de uma cesta básica para quatro pessoas, em São Paulo, era de 862,87 reais em abril do ano passado —valor que saltou para 1.014,63 reais em 2021, segundo pesquisa da Fundação Procon-SP em parceria com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

“Carne, arroz e óleo são os que mais assustam”, pontua Maria das Graças. Ela conta que precisou abrir mão da carne para conseguir comprar o arroz, substituindo bovinos e frangos pelo ovo, além de trocar o leite de caixinha pelo suco mais barato. “Faz três meses que não compramos carne”, relata ela. “É preocupante porque já estou no limite. Se cortar mais, vamos morrer de fome. A alimentação fica desbalanceada e o auxílio só vai servir para comprar o básico, que não supre”, completa a cabeleireira.

De fato, alimentos de origem animal, cereais (como arroz e feijão), açúcar e óleo estão entre os produtos que tiveram uma inflação ainda maior que a medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que está na casa dos 5,5%. Há um ano, 15 reais eram suficientes para comprar cinco quilos de arroz; agora, o mesmo dinheiro só paga três quilos. Com 23 reais, era possível comprar um quilo de carne de primeira em 2019. Agora, o mesmo valor paga pouco mais de 500 gramas de queijo muçarela. Com um aumento de 53% em seu preço durante 2020, a carne bovina precisou ser trocada na cesta básica pela de frango, cujo quilo do filé está em torno dos nove reais —em abril passado, era menos do que 7,50 reais. Os dados são do Procon-SP e do Dieese.

O professor de economia da Universidade de São Paulo (USP), Heron do Carmo, ressalta que o efeito mais significativo desse aumento é o fato dele recair sobre os produtos mais consumidos pela população mais vulnerável do país. “O problema é que o índice de preço teve um comportamento variado de acordo com o grupo de produtos, e aumentaram justamente os mais consumidos pelos mais pobres”, diz Carmo. Isso, por sua vez, tem um impacto forte na nova rodada do auxílio emergencial, uma vez que o dinheiro repassado aos mais pobres, além de ser menor, vale menos do que no ano passado por conta da inflação. Os 375 reais de Maria das Graças compram menos alimentos do que faziam em 2020. “Com esse aumento brutal de preços, o auxílio vai ter um efeito muito menor no padrão de vida dessas pessoas. Você pode ter problemas de desnutrição calórica nas famílias mais pobres”, constata o economista.

“O dinheiro é muito bem-vindo nessa situação emergencial, e é um avanço entregar o poder aquisitivo à pessoa ao invés da cesta básica”, ressalva Carmo, “mas é preciso melhorar o valor sem cortar o número de beneficiados”. Segundo levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), 116,8 milhões de brasileiros se encontram em situação de insegurança alimentar, número que corresponde a mais da metade da população e não era alcançado há 17 anos. O auxílio de 2021 beneficiará apenas 45,6 milhões de cidadãos. “É a condição de vida afetada pela pandemia, pelo desemprego e pelos preços dos alimentos. Imagina o drama da pessoa passar fome num país que tem plenas condições de prover isso”, completa o economista.

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