Distantes quando os temas em discussão são econômicos, políticos e sociais, principalmente esses, o interior do país e os subúrbios das grandes e médias cidades brasileiras convergem quando o assunto é a desgraceira generalizada ou as histórias pitorescas.
Nessas localidades, padres, sacristãos, pastores, pais de santo, rabinos, videntes e xamãs tentam, mas não conseguem se livrar do Caboclo Sorriso, o deus japonês do carnaval baiano e dos terreiros de candomblé do Rio de Janeiro. A entidade encosta, abraça e só larga o incauto quando a oferta é generosa. E pouco importa a forma de pagamento.
A exemplo daquelas igrejas suntuosas e que pregam noite e dia contra o Satanás, a preferência é pelo PIX, mas o dízimo pode ser quitado no crédito, no débito, com escrituras definitivas de imóveis, automóveis e até terrenos em áreas nobres. Mulheres com culote, 96 de busto e 105 de quadril têm descontos a perder de vista.
Historicamente, é o pessoal do interior e dos subúrbios do país que mais sofre com as alianças de gelo fechadas com a turma da pilantragem, com alguns pastores evangélicos e com senhores feudais que procuram centros de umbanda somente para tirar o caboclo de cima de suas patroas.
Nem sempre conseguem, pois esse tipo de entidade, quando a mulherada deixa montar, o arreio não desce nem a pau. Às vezes só com o pau. Entretanto, como o pessoal do feudo normalmente usa dinheiro público para essa empreitada, sem a necessidade de comprovação da despesa, é natural que a sentada no cascalho do caboclo seja abafada.
Nesse caso, o derretimento dos pactos ocorre na mesma proporção do aumento dos cornos, apelidados de chifres em Portugal. Como parte da elite, que come buchada de bode e arrota caviar, os chegados do Deus que são melhor do que os outros pensam que a esperteza é monopólio deles.
Dia desses, minha vizinha evangélica bateu em minha porta afirmando que havia engravidado após usar o sabonete do cunhado. Duvidei, mas, por um desses toques da memória, me dei conta de que se tratava do Paumoleve, dissidência consentida do similar Palmolive. Desejei paz à jovem e muita calma ao oportunista cunhado. Como se vê, com interiorano e suburbano não tem miséria, filosofia ou tecnologia. É só alegria.
Em reunião de bacana, as dondocas infelizes e mal-amadas já começaram a trocar os homens por robôs. Na periferia, robô e bosta fresca são a mesma coisa. Mulher feliz mora mal, come mal, dorme pior ainda, mas adora o corpo e a alma endurecida do amado. A patroa não larga seu homem por nada desse mundo.
Ela adora xingar o maridão quando ele chega do boteco bêbado, ameaça jogar água fervendo no ouvido do sujeito se descobre que ele estava com outra, chama de demônio na primeira cena de ciúme e costuma arremessar a aliança de inox na cara do mancebo antes mesmo dele elogiar a atriz pornô do filme escolhido para apimentar a noite libidinosa.
É um povo fuleiro só na imagem. Como um deles, posso assegurar que jamais largaria meus remédios para dormir de fralda só porque a Pampers garante 12 horas de sono. Também não trocaria o pão francês pela broa afrodisíaca de queijo. O pãozinho leva menos tempo para endurecer. Por isso, costumo comprar sempre acima de 100.
Apesar da alegria contagiante mesmo nos momentos de dor, os antagônicos dos bacanas não renunciam à superstição. E pouco importa que ela venha d’além mar. Dia desses, um vizinho bateu à minha porta de madrugada. Ele se dizia assustado porque havia sido informado por um vidente português que o mundo estava por acabar. Segundo ele, a previsão era bombástica.
Fui checar o tal vídeo que passaram para o supersticioso cidadão e quase acabei morto bem antes de concluir a audição: “Quando soubermos quantas pessoas existem no mundo com o sobrenome Dias, será o nosso fim, tudo estará acabado. Porque estaremos com os dias contados”.
Pior do que isso só o racismo às avessas, aquele em que um cidadão preto fica furioso quando atende uma ligação de telemarketing e a moça pergunta se ele é um cliente Claro. Eita mundão que nunca vai acabar.