Alguém precisa fazer Dilma Rousseff engolir seco o que ela falou na noite deste domingo em cadeia de rádio e televisão. O brasileiro tem, sim, todo o direito de se irritar e de se preocupar com seu futuro, mas não tem a ‘paciência e a compreensão’ pedidas pela presidente, porque ninguém acredita que vivemos um momento passageiro, como ela procurou demonstrar.
As reações à fala da presidente foram sentidas em Brasília. Da janela de milhares de lares foram ouvidas vaias ensurdecedoras. Luzes apagadas e acesas simultaneamente, buzinaço, pisca alerta dos carros ligados, talheres batendo nos pratos em bares e restaurantes.
No quintal de Dilma, ninguém acredita nela. Isso está evidente. A presidente ocupou uma cadeia nacional para falar em crise econômica, quando o País vive uma crise política sem precedentes. A questão é de falta de moral. É da corrupção dos partidos políticos que dão sustentação ao governo no Congresso Nacional.
A presidente foi dissimulada e diminuiu a gravidade do cenário: “O Brasil passa por um momento diferente do que vivemos nos últimos anos, mas nem de longe está vivendo uma crise nas dimensões que dizem alguns.”
Dilma falou em “problemas conjunturais” e “fundamentos sólidos”, mas não deu exemplos do que seriam, e disse que o momento atual é “muito diferente daquelas crises do passado que quebravam e paralisavam o país”.
De acordo com a presidente, o país desenvolve agora a segunda etapa do combate à “mais grave crise internacional desde a Grande Depressão de 1929”. Nesta fase, “estamos tendo que usar armas diferentes e mais duras daquelas que usamos no primeiro momento”.
Dilma afirma que é preciso “mudar a forma de enfrentar os problemas”, uma vez que “o mundo mudou, o Brasil mudou e as circunstâncias mudaram”, mas não explica que alterações seriam estas.
“Além de certos problemas terem se agravado, no Brasil e em grande parte do mundo, há ainda a coincidência de estarmos enfrentando a maior seca da nossa história, no Sudeste e no Nordeste. Entre muitos efeitos graves, esta seca tem trazido aumentos temporários nos custo de energia e de alguns alimentos. (…) Você tem todo o direito de se irritar e de se preocupar, mas lhe peço paciência e compreensão porque esta situação é passageira”, disse a presidente.
A crise financeira internacional, como anteriormente, foi usada pela presidente para apontar como se deu o desenvolvimento do Brasil nos últimos anos.
“A crise afetou severamente grandes economias, como os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão. Até mesmo a China, a economia mais dinâmica do planeta, reduziu seu crescimento à metade de suas médias históricas recentes. Alguns países estão conseguindo se recuperar mais cedo. O Brasil, que foi um dos países que melhor reagiu em um primeiro momento, está agora implantando as bases para enfrentar a crise e dar um novo salto no seu desenvolvimento.”
Na tentativa de justificar os ajustes que serão feitos na economia, Dilma afirmou que o governo federal “absorveu” até agora o pior impacto da crise mundial. “Absorvemos a carga negativa até onde podíamos e agora temos que dividir parte deste esforço com todos os setores da sociedade.”
Ainda na tentativa de amenizar os ajustes fiscais futuros, a presidente disse que esta “não é a primeira vez” que o Brasil passa por dificuldade –em uma referência à crise de 2003, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, seu antecessor. “Depois tudo se normalizou e o Brasil cresceu como poucas vezes na história”, arrematou.
Sobre o processo de “socorro à economia”, a governante disse que isto está sendo feito “da maneira mais justa, transparente e equilibrada possível”. Dilma citou cortes de gastos do governo, revisão em “distorções” em benefícios dos trabalhadores, em uma referência às mudanças no seguro-desemprego e abono salarial, e menor estímulo ao setor produtivo com subsídios e desonerações menores.
Dilma foi enfática – e assustou o povo – ao dizer que o ajuste “vai durar o tempo que for necessário para reequilibrar a economia”.
Ao resumir sua fala, a presidente frisou que o “esforço fiscal” é um caminho para uma situação “melhor” e “duradoura”, sem prejudicar conquistas dos trabalhadores e classe média. As medidas, prosseguiu, não seriam um retrocesso, e o país “não vai parar” pela sua aplicação.
Com a reação nas ruas, nas casas, nos apartamentos, nos restaurantes, Brasília, termômetro político do Brasil, mostrou à presidente, porém, que o quadro é outro. E que o País, ao contrário do que ela diz, pode parar, sim. O dia 15 está chegando. Há quem sustente que o impeachment virá. Se acontecer, esse terá sido o último pronunciamento da presidente. E o povo terá enfiado goela abaixo, dela, o ‘Fora Dilma’ engasgado há muito tempo.
José Seabra, com Agências