A nova Comissão Parlamentar de Inquérito, criada para apurar os desvios na Petrobras, já foi instalada com uma mácula: 26 de seus 50 membros receberam doações de empreiteiras envolvidas no escândalo da estatal. Ou seja, mais da metade daqueles que estão responsáveis por investigar, foram financiados pelos investigados em questão. Não há imparcialidade que suporte tanta promiscuidade.
Não por acaso, como membro da CPI pelo PSOL, apresentei, logo na primeira sessão, uma questão de ordem solicitando a substituição dos deputados cujas campanhas eleitorais foram pagas pelas empresas citadas na Operação Lava Jato.
Entretanto, como já era esperado, a maioria dos partidos votou contra a questão de ordem, numa indicação de que as empreiteiras acusadas estão devidamente representadas na CPI pelos deputados que elas ajudaram a eleger. A base do governo e a oposição de direita se igualam e se aliam, para maquiar seus vínculos com as empreiteiras e evitar debater aquilo que é a raiz da corrupção no Brasil: o financiamento privado de campanha.
Vale ressaltar que o número de parlamentares financiados pelas empresas envolvidas na Lava Jato é tão grande que muitos partidos não tinham como substituir os nomes indicados para a Comissão. Isso é um demonstrativo cabal do quanto o poder econômico interfere na política brasileira. Cerca de dez empresas financiaram praticamente 70% dos deputados.
Um agravante do financiamento privado de campanha é justamente a concentração desse financiamento, visto que há um “núcleo duro” de empresas que financiam amplamente governos e partidos. Isso compromete a isenção do Parlamento brasileiro e evidencia uma deficiência na capacidade investigativa em que essa CPI foi instalada.
A indicação e permanência desses parlamentares, numa clara tentativa de tornar inócuos os trabalhos da CPI, descumpre o Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, que considera quebra de decoro que um deputado “relate matéria submetida à apreciação da Câmara, de interesse específico de pessoa física ou jurídica que tenha contribuído para o financiamento de sua campanha eleitoral”.
Também descumpre o Regimento Interno da Casa, segundo o qual “tratando-se de causa própria ou de assunto em que tenha interesse individual, deverá o deputado dar-se por impedido”. Tal violação, em tese, é passível de ser punida com a perda do mandato. No entanto, contraditoriamente, na própria Casa de Leis, o Código é “letra morta”, e sua aplicação somente é cumprida quando há interesses em jogo.
Tal fato, além de levantar suspeitas sobre a isenção do trabalho a ser desempenhado pela CPI, também representa um desrespeito à Constituição Federal, quando esta determina que a atuação do agente público, além de atender ao princípio da legalidade, deve estar submetida também ao princípio da moralidade.
A denúncia elaborada pelo Ministério Público Federal aponta, inclusive, que boa parte das doações realizadas pelas empreiteiras pode representar pagamento de propina a agentes públicos para a obtenção de vantagem indevida, “sendo as doações formais de campanha mera estratégia de lavagem de capitais”. Na prática, não há como distinguir o dinheiro do lucro das empresas do dinheiro das propinas.
O sentimento público de indignação está cada vez mais presente na sociedade que questiona essas práticas ilícitas arraigadas na velha política. Está claro que o financiamento empresarial de campanha é a porta da corrupção, uma vez que visa interesses econômicos e favorecimentos do Estado em detrimento do interesse público. Neste sentido, vemos aumentar a pressão popular sobre o ministro Gilmar Mendes, que há mais de dez meses solicitou vistas da Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) da OAB, que acaba com o financiamento privado de campanha e que já tem seis votos favoráveis no STF.
Essa manobra é feita em sintonia com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que apressa a votação em plenário do projeto de lei que visa constitucionalizar esse tipo de financiamento, antes de o Supremo proibir a prática no país.
Ao ignorar nosso pedido, a maioria da CPI optou por virar às costas à opinião pública e adentrou por um caminho perigoso. A gravidade e extensão da corrupção na Petrobras, que vai do governo FHC ao governo Dilma, e envolve as maiores construtoras do país, bem como os partidos governistas e da oposição de direita, exige redobrada atenção com a comissão.
De modo que tanto as investigações em curso na PF e no Ministério Público Federal como as investigações da CPI podem levar a novas descobertas de empresas e pessoas envolvidas, inclusive de parlamentares que compõem a CPI ou ocupam posições de mando no Congresso.
Por um lado, a CPI significa uma oportunidade única para se combater a corrupção sistêmica, que virou marca do nosso capitalismo ancorado na máquina pública, criando as condições para que se puna corruptos e corruptores. Por outro, considerando a complexidade de atores e interesses envolvidos, ela pode ser palco de acordos espúrios e de soluções em que os detentores de grande poder econômico e político sejam preservados.
A atual composição da CPI, cujo presidente teve 60% e o relator 39,6% de suas últimas campanhas pagas com recursos dessas empresas, pavimenta o caminho para a segunda opção. O dinheiro dos financiadores tende a falar mais alto.
O envolvimento direto dos partidos nos esquemas de recebimento de propina maquiados como doação tende a cobrar seu silêncio e seus serviços. Caberá mais uma vez à pressão popular fazer a diferença. Só com a sociedade mobilizada exigindo o fim da corrupção, a punição dos responsáveis e a manutenção da estatal como patrimônio do povo brasileiro é que poderemos ter um desfecho satisfatório na CPI.
Nesse sentido, reiteramos o nosso compromisso com uma investigação ampla, independente de político, partido ou empresa envolvida. Não pouparemos esforços para que todo esse esquema seja desmantelado e que a empresa venha a ter uma administração democrática, transparente e sob controle público.
A Petrobras é um patrimônio do povo brasileiro, que deve ser preservado e servir aos interesses estratégicos do país, proporcionando desenvolvimento e melhorias das condições de vida da população. Atuaremos contra quaisquer interesses escusos que querem a privatização desta riqueza.
Ivan Valente