Profissão de pai
Discrição de aluna órfã deixa os olhos marejados
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emEstava discutindo com meus alunos o conto Felicidade Clandestina, de Clarice Lispector, quando chegamos a uma parte em que a narradora revela ter inveja de sua antagonista porque o pai dela era dono de uma livraria. Então Fabi, minha aluna top model, revelou:
– Queria que meu pai fosse uma celebridade.
– Por quê? – indagou alguém.
– Porque eu sairia em capa de revistas, seria conhecida por toda parte! – exclamou ela, toda coquete.
Caio suspirou:
– Queria que meu pai fosse humorista. Porque eu seria engraçado, ou engraçadinho. Ia fazer todo mundo rir, ia ser popular.
– Pois eu queria que meu pai fosse jogador de futebol – atalhou Peter.
– Jogador de futebol?! – uma colega questionou.
– É, se ele fosse jogador de futebol, eu ia saber jogar, não ia ser esse perna de pau como sou, ia saber jogar direito. Ia ter professor particular e estudar em casa, não tomaria bomba nunca, ia morar em vários lugares diferentes…
Muitos alunos acharam a maior graça na explicação dos colegas e também deram sua opinião.
Nisso, observei que Nancy, sempre tão alegre, falante e participativa, quedava-se calada, pensativa. Então a interpelei:
– E você, Nancy, o que gostaria que seu pai fosse?
Duas imensas jabuticabas me fitaram tristemente, através de delicadas lentes. O que me respondeu me doeu tão fundo que desejei ter o poder de fazer o tempo voltar e revogar todas as disposições em contrário:
– Eu queria que meu pai fosse… vivo!