Recado pra lá, recado pra cá; recado dado, recado recebido, recado devolvido. Foi assim o início, o meio e o fim da confusão protagonizada pelo general Eduardo Villas Bôas e pelo deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ). Seguindo a deixa do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) – de que tudo tem de ser feito para evitar qualquer “trincagem” entre Legislativo e Judiciário -, o Parlamento é o coração e a alma da democracia e dessa forma concluiu a sessão de sexta (19) à noite, mantendo, por 364 votos favoráveis e 130 contrários, com três abstenções, a prisão do deputado cheio de músculo e nenhum neurônio. Perdeu feio e conseguiu a proeza de unir líderes do Centrão e grupos de esquerda. Como tudo indica que houve encomenda do discurso da discórdia, é o caso típico da feitiço que virou contra o feiticeiro.
Mesmo defendendo a inviolabilidade parlamentar, a maioria avaliou as agressões como um ponto fora da curva. Afinal, a grosseria antidemocrática não atingiu somente o Supremo, mas também o Congresso e a Constituição Os recados foram abertos por Villas Bôas em abril de 2018, quando ele “emparedou” o Supremo Tribunal para garantir a prisão do ex-presidente Luiz Inácio. Supostamente, eles foram agora encerrados, com a permanência de Daniel Silveira na prisão. Em off, alguns ministros do STF avaliaram a decisão de prender o deputado como troco ao comandante do Exército no governo de Dilma Rousseff.
Em outra vertente, não deixa de ser um recado ao próprio Daniel Silveira e aos deputados antipolíticos, que juram cumprir a Constituição, mas, na primeira necessidade de aparecer, esquecem o juramento e pregam o ódio, o golpe, a incitação à violência contra autoridades e a volta do AI-5, o mais duro dos atos institucionais. Recados à parte, o ministro Alexandre de Moraes (responsável pela prisão do deputado) pode não ser – e não é – uma unanimidade, mas seu posicionamento acabou por mexer no tabuleiro do poder, colocando cada um no seu devido lugar. Virou um freio de arrumação. O mais relevante da histórica sessão da Câmara foi, a meu ver, a advertência velada da Câmara à retórica da família Bolsonaro.
A descompostura ficou clara no relatório da deputada bolsonarista Magda Mofato (PL). Lembrando que até mesmo o presidente da República está sujeito a críticas, ela lamentou os discursos radicais de ódio e a utilização da imunidade como instrumento para conseguir o fechamento do Supremo, do Congresso ou para sugerir o fim do princípio da separação dos poderes. No português literal, tudo que prega os Bolsonaro e a raiz do bolsonarismo. Alvo constante dos pregadores antidemocráticos, o Centrão e seus líderes também aproveitaram o episódio para dar um basta à esculhambação que sofreu e sofre de parte do gabinete do ódio, comandado pelos ideólogos e conselheiros do governo, entre eles o ensaísta Olavo de Carvalho e o general Augusto Heleno.
Em 2018, durante encontro de campanha com grupos extremistas de direita, o atual ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) protagonizou uma ridícula dancinha para zombar do grupo comandado por Arthur Lira. Historicamente, o Centrão não tem ideologia – há governo, o grupo está dentro -, mas inegavelmente seus integrantes são eméritos defensores da institucionalidade. Criticar o Centrão é chover no molhado e dever dos que abominam o DNA do toma lá dá cá. Entretanto, não devemos esquecer que foi Jair Bolsonaro quem negou a bandeira de campanha ao se aproximar do Centrão. Portanto, a leitura definitiva do resultado contrário a Daniel Silveira respinga diretamente no clã presidencial, cujo discurso grosseiro de ontem e de hoje em nada difere do palavreado rasteiro, populista e desproposital do deputado, discípulo de primeira hora do bolsonarismo.
Por isso, o aconselhamento para que o presidente não se envolvesse no imbróglio. O risco é que, no futuro, a exemplo de Daniel Silveira, também possa sobrar para Bolsonaro um julgamento de exceção e não de regra. Acredito que, pelo tempo que ainda falta para as eleições de 2022, parlamentares e o próprio Jair Bolsonaro ainda não se deram conta de que Alexandre de Moraes, como presidente do Tribunal Superior Eleitoral no próximo ano, será o principal condutor do pleito sucessório da Presidência da República e do Congresso Nacional. Daí o discurso inicial de Arthur Lira contra eventual trincagem entre Legislativo e Judiciário. Por que não mergulhar logo a barba no molho? Porque há necessidade de evitar a tal trincagem. Mas A barba tem de ficar de molho por quê? Porquê caldo de galinha e cautela não fazem mal a ninguém. Sem querer querendo, valeu como dica sobre os quatro porquês.
*Mathuzalém Junior é jornalista profissional desde 1978