Eternos rivais
Disputa do cemitério faz Salustiano e Salazar rirem
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emDe tão antiga é essa história, não se tem notícia de que alguém ainda se lembre dos protagonistas. Na certa, os que a presenciaram já são tão velhos e a memória há tempos os abandonou. Se bem que o mais provável é que estejam todos escondidos debaixo da terra.
Pois bem, quem me contou esse causo foi o Moacir, um septuagenário, que o ouviu do pai, o falecido Januário, cuja fama de amigo das inverdades ainda corre lá pelos lados do município de São Bento do Una, localizado no Planalto do Borborema, bem aqui no nosso lindo Pernambuco. E como a história é muito antiga, nem vou me preocupar em trocar os nomes dos envolvidos.
Salustiano e Salazar, dois amigos de idades parelhas, eram vizinhos desde os primeiros dias de vida. Apesar da amizade, a disputa sempre os acompanhou. Era uma coisa de saber quem era melhor nisso ou naquilo. Até discussão para saber quem era o mais bonito, mesmo que nenhum tivesse nascido com traços de um famoso contemporâneo, um tal Rodolfo Valentino.
O imbróglio entre aqueles dois estava tão acirrado, que as competições andavam cada vez mais esdrúxulas. Uma delas, que parece que foi vencida pelo Salustiano, era a de quem conseguia comer jiló puro e cru. Isso, aliás, foi o estopim para que o perdedor lançasse um desafio.
— É, Salustiano, estamos ficando velhos. Não demora, a danada da Dona Morte aparece para puxar o pé da gente.
— Que coisa mais besta, Salazar! Homem que é homem vai ter medo da morte? Isso é coisa de gente frouxa!
— Ah, não? Então, você vai querer me dizer que não tem medo de morrer?
— Tenho nada! Sou é homem!
— Hum. Nem de defunto?
— Salazar, se eu não tenho medo de suçuarana, vou lá ter medo de gente que já morreu? Deixa de ser besta! Aqui é macho!
— Hum.
— Tá duvidando?
— Hum. Então, que tal uma apostazinha?
— Que aposta?
— Cada um de nós vai ter que ir lá no cemitério e pregar um prego no portão. Mas tem que ser à meia-noite em ponto.
— Combinado! Quem vai primeiro?
— Vamos tirar a sorte pra ver.
Salazar ficou aliviado por ter ganhado e, por isso, o amigo precisou ser o primeiro a cumprir a missão. O homem, mesmo com um frio percorrendo toda a espinha, tratou de não demonstrar medo. Disse que iria naquela mesma noite cumprir o trato. Salazar, desconfiado de falcatruas por parte do amigo, tratou de marcar o prego e o entregou a Salustiano.
Quase meia-noite, Salazar, na janela de sua casa, viu o amigo sair.
— Já vai, né?
Como era julho, época de frio e o vento gritava que nem alma penada vagando em busca de redenção, Salustiano pensou em desistir. Que nada! Não tinha como. Pegou uma capa com capuz, apertou o cinto para as calças não caírem, caso precisasse correr, e rumou na direção do cemitério. Olhos arregalados, começou a imaginar assombração.
Quando chegou ao destino, pegou o prego no bolso da calça e, pouco antes de martelá-lo, ouviu o piar de uma coruja. Apavorou-se, mas conseguiu pregar o maldito prego.
Na manhã seguinte, Salazar foi procurar o amigo. Mas nada do Salustiano. Pensou até que ele estivesse dormindo o sono atrasado. Entretanto, como o dia prosseguiu sem notícias do companheiro, Salazar começou a desconfiar que Salustiano teria sido arrastado por algum espírito. Tanto é que, por volta das duas horas da tarde, rumou para o cemitério.
Mal chegou, viu o amigo em pé no portão do cemitério. Salustiano estava com a face apavorada e disse para Salazar não se aproximar.
— O que houve, Salustiano?
— Uma alma me pegou!
Salazar, sabendo que àquela hora do dia as almas estavam todas dormindo, se aproximou do amigo, quando começou a gargalhar. Salustiano, sem entender, continuou com o pavor estampado no rosto.
— Salustiano, mas você é burro mesmo! Você pregou a manga do casaco no portão.
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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