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Disputas territoriais podem eclodir guerras regionais

Apesar de não receberem grande foco da diplomacia mundial ou até mesmo dos países que constituem a região, ainda hoje existem diversas disputas territoriais abertas na América Latina. Neste ano que se inicia, a América Latina ainda terá dez disputas territoriais abertas entre países do continente ou com nações como Reino Unido e EUA. Muitas delas têm 90 anos ou mais e remontam à delimitação das fronteiras após os processos de independência de cada país.

Cinco desses casos foram levados à Corte Internacional de Justiça (CIJ) em Haia, na Holanda, e quatro continuam pendentes de uma decisão, segundo a BBC News. Quem entende do assunto é o professor Thomas Ferdinand Heye, do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense.

Região do Essequibo
De uma perspectiva brasileira, um dos mais importante desses casos se localiza na região do Essequibo, disputada pela Guiana e pela Venezuela. A razão para preocupação brasileira é o fato de que os dois países fazem fronteira com o Brasil.

“O Brasil já se manifestou em relação a essa questão em diversas ocasiões, inclusive impedindo que a Venezuela recorresse ao uso da força militar para anexar a região”, informa o professor.
Território de Essequibo – área sob disputa entre Guiana e Venezuela.

Rincão de Artigas e ilha Brasileira
Entretanto, esse é um caso que se aproxima do Brasil, mas não tem necessariamente uma ligação territorial com o país, diferente das regiões de Rincão de Artigas e ilha Brasileira, reivindicadas por Brasil e Uruguai.

Há quase 90 anos existe uma disputa entre as nações por esses dois pequenos trechos da fronteira, mas tanto Brasília quanto Montevidéu não se pronunciam a respeito desde o final dos anos 1980. “Nenhum dos dois Estados quer abrir mão da disputa, ao mesmo tempo nenhum dos dois quer investir capital político para tentar solucionar a questão”, diz Heye.

Mesmo com os casos em aberto – não só na região do Essequibo, Rincão de Artigas e ilha Brasileira, como também na Passagem de Drake, disputa entre Argentina e Chile, ou nas ilhas Malvinas, entre Argentina e Reino Unido –, “o assunto não está no topo da prioridade da agenda estratégica dos países envolvidos”, pontua o especialista.

Isso se evidenciaria pelo fato de que os casos não correm com urgência no CIJ, uma vez que, para isso acontecer, os Estados precisam dar ritmo aos processos. Ao mesmo tempo, para a comunidade internacional em geral, as disputas territoriais na América Latina não são observadas como graves o suficiente para que haja uma aceleração desses procedimentos.

Passagem de Drake
A Passagem de Drake fica localizada na parte do oceano Antártico situada entre a extremidade sul da América do Sul e a Antártica. A área é considerada uma das regiões marítimas mais complicadas do mundo, com enormes dificuldades para navegação. Os mais de 800 quilômetros são “compartilhados” pela Argentina e pelo Chile.

A disputa afeta os dois países economicamente, principalmente a Argentina, porém, na visão de Heye, a resolução pode estar próxima, visto que “o atual governo argentino e o recém-eleito presidente do Chile, Gabriel Boric, podem achar uma solução satisfatória”.

Vale lembrar que Chile e Argentina são os únicos países latino-americanos que reivindicam a soberania da Antártica, se unindo à Austrália, Nova Zelândia, Noruega, Reino Unido e França.

Ilhas Malvinas
As ilhas Malvinas, como são chamadas pelos argentinos, ou ilhas Falklands, na forma como são reconhecidas pelos britânicos, são um arquipélago composto por cerca de 200 ilhas localizadas a menos de 500 quilômetros a sudeste da Argentina com cerca de três mil habitantes, porém, as ilhas são administradas pelo Reino Unido.

Em 1982, aconteceu no território a conhecida Guerra das Malvinas, entre Buenos Aires e Londres, na qual a última saiu vitoriosa.

Mesmo muito tempo depois, a Argentina ainda reclama pelo território, e na segunda-feira (3) o governo de Alberto Fernández lançou a “Agenda Malvinas 40 Anos”, que tem o objetivo de manter viva a memória dos militares argentinos que estiverem presentes no conflito, conforme noticiado.

A disputa entre os dois países é um exemplo “dos escombros de uma antiga potência imperialista“, visto que “as Malvinas têm pouca importância estratégica para o Reino Unido”, de acordo com o professor.

“Sem dúvida nenhuma as Malvinas pertencem à Argentina, e o uso da força [através da guerra] para resolver a questão foi, no mínimo, um absurdo”, comenta.

Durante a inauguração da agenda nesta semana, o ministro das Relações Exteriores argentino, Santiago Cafiero, condenou os “189 anos de usurpação britânica” e disse que “a comunidade internacional apoia a reivindicação argentina”, ressaltando que “não há lugar para colonialismos no século XXI”.

Conflitos futuros 
Em termos gerais, podemos testemunhar um elemento pacífico nas relações entre os países da América do Sul, apesar da troca de hostilidades, principalmente envolvendo Colômbia e Venezuela ou Brasil e Argentina, no todo a interatividade entre as nações acontece de forma tranquila.

“Sobre ameaças externas, a América do Sul, realmente, é uma região que possui poucos indícios de possibilidades de conflitos mais graves em um curto prazo […] Esse foi o primeiro território do planeta que, de forma voluntária, decidiu se desnuclearizar”, salienta Heye.

Entretanto, no que diz respeito à segurança pública dos países individualmente a história é outra, já que os índices de violência são bastante altos.

Em 2018, América Latina e Caribe foram considerados as regiões mais violentas do planeta, respondendo por 39% dos homicídios em todo mundo, enquanto a taxa de roubo é o triplo da média mundial, ao mesmo tempo que concentra 41 das 50 metrópoles mais perigosas, de acordo com a revista Exame.

Contudo, ao voltarmos para questões externas, novos atores estão presentes na região e podem impactar nessa dinâmica. Os EUA – que há um bom tempo já influenciam o território, principalmente o Brasil –, a China e a Rússia. Na Guiana, especificamente, a França e nas ilhas Malvinas o Reino Unido.

A presença estrangeira tem minado a interatividade entre os países sul-americanos, e mesmo com a criação da União de Nações Sul-Americanas (UNASUR) “estamos bastante marcados pelo crescimento dos interesses das principais potências atuais na região”, e isso pode forçar com que as nações latino-americanas “repensem seus objetivos, alianças e metas estratégias“, conclui Heye.

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