Discípulo ainda erecto dos quadrinhos pouco republicanos de Carlos Zéfiro, o “catecismo” de 11 entre dez meninos das décadas de 50, 60 e 70, sobrevivi, mas as mãos até hoje se ressentem dos calos decorrentes das picantes histórias desenhadas e publicadas, paralela e dissimuladamente, por Alcides Aguiar Caminha. Desenhista, ilustrador, compositor e, nas horas vagas, funcionário da Divisão de Imigração do Ministério do Trabalho, Caminha, um exemplar chefe de família, metaforicamente carregou a minha por longo tempo. E sem deixar cair. Deixou de carregar com a chegada ao Brasil de um tal Hugh Hefner, fundador daquela abominável revista pornô-erótica Playboy, a publicação masculina mais vendida no mundo.
Depois da Playboy, vieram outras despudoradas e profanas revistas de mulher pelada, entre elas Ele&Ela, Status, Homem e Sexy, todas namoradas contumazes e manuais da molecada sem grana para a frenética frequência de uma tresloucada casa de saliência. Graças ao Deus acima de tudo, minhas preferências sempre foram a Globo Rural, Capricho e Sétimo Céu. De vez em quando me arriscava a ler Os Vingadores, Capitão Marvel e Superman. Todas eram por demais agradáveis, mas nem de longe glamourosas como os ensinamentos de Carlos Zéfiro, pseudônimo do boêmio, mas sério Alcides Caminha.
Após o aprendizado vespertino e obrigatório da tabuada, diariamente arrumava um tempo para rezar no “catecismo”. A regra era clara: enquanto a mão esquerda acordava o gigante adormecido, a mão direita era posta nas costas até ficar dormente. Concluída a devoção, começava a diversão, que só acabava no último Pai Nosso da novena em homenagem à vizinha do sobrado. O “catecismo” era tão sagrado para a gurizada erecta que, nos 70, incomodou o general que tiranicamente comandava o Brasil. Com o morto na sombra há tempos, sua excelência do tronco mole determinou uma severa investigação para descobrir o autor daquelas obras pornográficas, sobre as quais ele certamente babava entre uma e outra tortura.
Foram tantas as gozações (no literal) que, de forma coronel e generalizada, a investigação terminou inconclusa. Não havia como punir quem fazia tanto bem aos homens brasileiros. Vem dessa época alguns pensamentos filosóficos sérios e emblemáticos, os quais carrego comigo até hoje. Por exemplo, o mais célebre é assinado por Einstein: “Eu nunca penso no futuro. Ele vem em breve”. O de Aristóteles não se aplica a mim: “Casar ou ficar solteiro? Qualquer que seja a decisão, virá o arrependimento”. Me associo ao de René Descartes: “O pouco que aprendi até agora é quase nada, comparado ao que ignoro. Penso, logo existo”.
No entanto, nenhum deles se iguala ao que cunhei logo após o primeiro apelo manual na sequência do meu début na leitura ortodoxa e oxfordiana do “catecismo”: Mais vale um seio na mão do que dois no sutiã. Mesmo sem o mesmo brilho de antes, continuo me valendo dele nos dias atuais. Sem o “catecismo” à mão, passei a bengala para o Kid e hoje estou mais para o Barão de Itararé, cuja máxima é anárquica, clara, simples e definitiva: “De onde menos se espera daí é que não sai nada”. Esta é a razão de eu ter incorporado o chapéu ao vestuário diário: fazer sombra para o morto. Lamentável, mas nascemos juntos e ele morreu antes. Coisas da vida.
Sobre Carlos Zéfiro, faço minhas as palavras de Mário Quintana: “Tão bom morrer de amor e continuar vivo”. Homem de várias funções, Alcides Aguiar Caminha não viveu apenas para mostrar aos meninos dos anos 50, 60 e 70 que as mãos servem para várias coisas, inclusive para lavar o bilau em velocidades extremas. Como compositor, ele assinou numerosos sambas e canções, com destaque para alguns sambas de enredo para a Mangueira e para a imortal A Flor e o Espinho, escrita em parceria com Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito. A identidade secreta de Alcides Caminha somente foi revelada em 1991, um ano antes de sua morte, devido a uma reportagem assinada pelo corintiano Juca Kfouri na revista Playboy. A exemplo de Elvis Presley, Carlos Zéfiro não morreu. Ele ainda vive no imaginário dos meninos que ultrapassaram a flor da idade.