Maria Rita Alonso e Marilia Kodic, colaboração de Gabriela Marçal
À luz reveladora das 2 da tarde, que nada perdoa, em frente à Oca do Parque do Ibirapuera, o desfile de Ronaldo Fraga levou o público da São Paulo Fashion Week a refletir sobre padrões e tabus. “Essa coleção fala de algo de que sempre falei: lançar luz sobre os invisíveis. O Brasil é um país em que os idosos, os deficientes, os gordos, os mestiços, todos são invisíveis.” Invisíveis, porém humanos – e todos representados em sua passarela no quarto dia do evento.
O discurso engajado nada tem de falso, já que as apresentações de Ronaldo Fraga costumam levar para a passarela mais do que roupas – em edições passadas, o estilista abordou questões como os refugiados e a transfobia. Desta vez, a ideia foi rememorar dias mais leves, com uma moda praia vintage ao estilo dos anos 20, evocando o momento em que a elite brasileira descobriu a praia.
“Na moda praia, todas as pessoas têm o corpo perfeito. O homem tem a barriga sarada e a menina tem o bumbum redondo impecável, mas, na verdade, a perfeição não existe. Será que as pessoas ainda precisam cultuar essa imagem inatingível?”, disse Fraga, logo após o desfile, usando uma camiseta com a frase “Mr. Presidente, se você não pensa no Brasil, pense nos netos do Michelzinho”, em protesto ao governo de Michel Temer.
As peças, confeccionadas em um neoprene com aspecto de sarja, foram exibidas ao som de Pixinguinha. Entre as modelos estava Fluvia Lacerda, a célebre plus size brasileira que estreou na SPFW após 14 anos de carreira. “Muitas grifes ficam emperradas em uma idealização que não corresponde ao público, ainda mais nesse período de revolução”, disse ela.
Amir Slama também desfilou sua moda praia ontem, inspirado em um balneário dos anos 50. A coleção trouxe cerca de 50 looks, que faziam referências a vedetes do Teatro de Revista, como Virginia Lane e Berta Loran. Entre as modelos estava a trans Marcela Tomé, que já participou de outros desfiles da grife. “Quando vou escolher as modelos, não fico preocupado se é mulher, se é homem, se mudou de sexo, se não mudou… se tem atitude e mostra a peça de um jeito bacana, o resto é secundário. Todo o mundo usa moda. Moda é desejo, é vontade, e a atitude que vem junto é importante para quebrar preconceitos e tabus”, afirmou o estilista.
Seguindo a onda da diversidade, no que chamou de desfile-manifesto, Gloria Coelho escalou um time de mulheres de todas as idades, defendendo que a idade não pode restringir a carreira de ninguém. A modelo Isabella Fiorentino, a digital influencer Camila Coelho e a atriz Alinne Moraes dividiram espaço na passarela com Teresa Fittipaldi, Maythe Birman, Paola de Orleans e Bragança e a cantora Marina Lima, todas amigas da estilista.
O rock psicodélico de Pink Floyd que recebia os convidados no Hotel Unique prenunciava os ventos britânicos da coleção, inspirada no seriado ‘The Crown’ sobre a rainha Elizabeth II e os bastidores da corte. A política, a sociedade e, é claro, a moda da Inglaterra nos anos 1950 e 1960 guiaram a estilista, que apresentou códigos já tradicionais de sua grife, como jogo de proporções, formas geométricas e recortes vazados, tudo em tons sóbrios.
Outra marca que escalou um time de famosas foi a Animale, que abriu mão do formato tradicional de desfile e apresentou suas novidades no piso superior de sua loja, no bairro dos Jardins. As atrizes Grazi Massafera e Juliana Paes, a apresentadora Sabrina Sato e influencers digitais vestiram as peças com inspiração no Vietnã. Vestidos e casacos traziam bordados com temas da cultura oriental. A alfaiataria, elemento marcante da Animale, foi inspirada em quimonos e trajes típicos de monges.
A grife Sissa também escolheu exibir suas criações de modo não convencional, com modelos dispostas em cima de caixotes, pelos quais o público serpenteava para conferir as produções, e ao som de uma performance ao vivo de um grupo de percussão. Texturas naturais e tons terrenos encontraram modelagens simples e usáveis. Tudo sem excessos. É hora de colocar os pés no chão.