Alquimia em cena
Do clássico ao popular de Caetano e Gil, música surge como um passe de mágica
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A alquimia, com sua busca pela transmutação e a elevação espiritual, influenciou diversas áreas do conhecimento e das artes, incluindo a música clássica. Para os compositores que se inspiraram nela, a alquimia era tanto uma ciência oculta quanto uma metáfora para processos criativos e espirituais. A ideia de transformação, a relação entre os quatro elementos (terra, água, fogo e ar) e o simbolismo esotérico foram traduzidos em obras que exploram mistérios e forças invisíveis. Compositores como Scriabin, Bach, Mozart, Wagner e Debussy usaram seus princípios para criar obras que exploram a busca pelo conhecimento, a purificação da alma e a elevação do espírito.
Alexander Scriabin (1872–1915), foi um dos compositores mais esotéricos da história da música. Ele acreditava que a música poderia elevar a consciência humana e alcançar uma espécie de êxtase espiritual, conceito semelhante à Magnum Opus alquímica. Sua obra mais famosa inspirada em conceitos alquímicos e esotéricos é “Mysterium”, uma composição inacabada que deveria ser uma experiência sinestésica total, envolvendo cores, cheiros e movimentos para levar a humanidade a uma nova era. Outra obra é “Prometheus: O Poema do Fogo, que se baseia em princípios alquímicos, usando um “teclado de luzes” que representava cores associadas a estados espirituais.
Johann Sebastian Bach (1685–1750), apesar de se declarar publicamente alquimista, ele utilizava princípios matemáticos e numerológicos em suas composições, algo que também é essencial na alquimia, como o simbolismo numérico e a ordem cósmica. Duas de suas obras, entre tantas, temos a “Arte da Fuga” (1742-1749), que é um exemplo de construção musical baseada na ideia de transformação progressiva, algo comparável ao processo alquímico de transmutação. E a “Missa em Si Menor” (1749) pode ser vista como uma busca da unificação espiritual e cósmica, um conceito alquímico essencial.
Wolfgang Amadeus Mozart (1756–1791), as tradições maçônicas e a busca pela iluminação através da observação distanciada e racional do mundo foram ferramentas novas para o apaixonado pela música e harmonia dos sons. A transmutação da vida em música fez de Mozart um representante da alquimia operativa. Ele era membro da Maçonaria, que preservava muitos princípios alquímicos em suas tradições. Suas óperas trazem símbolos de iniciação e iluminação. Sua obra “A Flauta Mágica” (1791) é uma ópera repleta de simbolismo esotérico, representando a jornada de purificação e ascensão espiritual dos personagens Tamino e Pamina, semelhante ao processo alquímico de transformação do chumbo em ouro.
Richard Wagner (1813–1883), acreditava na música como uma força transformadora e espiritual e que realizaria a alquimia do Espírito e a Transformação do Herói. O ciclo “O Anel do Nibelungo” (1848–1874) contém fortes elementos de transmutação e purificação. O ouro do Reno e sua corrupção simbolizam a luta entre matéria e espírito, algo recorrente na alquimia. Em “Parsifal” (1882), o Graal é um símbolo de conhecimento e iluminação, remetendo ao conceito alquímico da Pedra Filosofal.
Claude Debussy (1862–1918), influenciado por simbolistas e ocultistas, trouxe um senso de mistério e transformação a sua música. Obras como “Pelléas et Mélisande” (1902) tem um caráter alquímico no sentido da busca pela verdade oculta através da música. Já a obra “La Mer” (1905) capturam a fluidez e mutabilidade dos elementos, um conceito importante na alquimia. Ela tem sido uma fonte rica de inspiração para muitas bandas e músicos ao longo dos anos. Letras de músicas e álbuns conceituais frequentemente fazem referência à alquimia como um processo de iluminação e transformação interior.
Atualmente, bandas de rock progressivo e metal sinfônico, por exemplo, exploram temas alquímicos em suas obras, utilizando símbolos, metáforas e conceitos de transformação. Alguns artistas notáveis, como Bruce Dickinson, vocalista do Iron Maiden, têm grande interesse por história, ocultismo e alquimia. Em seu álbum solo “The Chemical Wedding” (1998), ele explora temas alquímicos, fazendo referências a William Blake, à Pedra Filosofal e ao conceito de transmutação espiritual.
A banda Tool também incorpora simbolismo esotérico e alquímico em suas músicas e artes visuais, como no álbum “Lateralus” (2001). Therion, uma banda sueca de metal sinfônico, explora temas místicos, mitológicos e alquímicos. O duo Dead Can Dance, formado por Lisa Gerrard e Brendan Perry, incorpora influências espirituais e alquímicas em sua música, como no álbum “Aion”. King Crimson, uma banda de rock progressivo, frequentemente se inspira em conceitos alquímicos e filosóficos. O álbum “In the Court of the Crimson King” (1969) contém simbolismos de transmutação e evolução. A banda de rock experimental Secret Chiefs trabalha com influências da alquimia, cabala e ocultismo em suas composições.
O icônico David Bowie, principalmente em sua fase final, explorou elementos de esoterismo e transformação pessoal. Seu álbum “Blackstar” (2016) pode ser interpretado como uma jornada alquímica, abordando morte, renascimento e iluminação. Recomendo aos iniciantes e praticantes da alquimia que ouçam e estudem esse álbum com uma perspectiva alquímica. Vale cada segundo! Embora o Pink Floyd não tenha uma obra explicitamente dedicada à alquimia, sua música e estética frequentemente abordam temas filosóficos, transformativos e esotéricos que se alinham com conceitos alquímicos.
O álbum “The Dark Side of the Moon” (1973) pode ser interpretado como uma jornada de iluminação e transformação, com letras que abordam loucura, tempo, morte e transcendência, temas frequentemente associados ao caminho do alquimista para a iluminação ou às cartas de Tarot. Além da cena musical internacional, a cena musical brasileira é rica, variada e de alta qualidade artística e filosófica. Vários artistas da música brasileira exploram temas ligados à alquimia, ocultismo e esoterismo em suas obras.
Aqui estão alguns dos mais notáveis. Impossível não citar Raul Seixas, foi um dos artistas que mais incorporou elementos da alquimia e do ocultismo em sua música. Inspirado por Aleister Crowley e pela Sociedade Alternativa, ele explorava temas de magia, transformação e conhecimento esotérico em canções como “A Lei” – Referência direta à filosofia de Crowley: “Faz o que tu queres, há de ser tudo da Lei”, “Novo Aeon” – Alusão ao conceito do “Novo Éon” de Crowley e “O Dia em que a Terra Parou” – Ideia de um grande despertar coletivo. Zé Ramalho também mostra forte influência do misticismo e da literatura esotérica, trazendo em suas músicas metáforas que podem ser associadas à alquimia e ao ocultismo, como “Avohai” – Canção enigmática sobre um mestre espiritual e “Admirável Gado Novo” – Reflexão sobre o controle social e a libertação da consciência.
Jorge Ben Jor também abordou temas esotéricos, principalmente em seu clássico álbum “Tábua de Esmeralda” (1974), cujo nome é uma referência ao texto hermético atribuído a Hermes Trismegisto. Algumas faixas como, “Os Alquimistas Estão Chegando” que faz citação direta à alquimia e seus mestres. E “Menina Mulher da Pele Preta” – Letra com referências simbólicas ao ouro e à transformação. Walter Franco trouxe experimentação e espiritualidade para suas músicas. Seu álbum “Revolver” (1975) tem uma abordagem filosófica que dialoga com o ocultismo e a expansão da consciência.
Alceu Valença tem um lado místico e regional que mistura elementos do folclore nordestino com simbolismos ocultistas, como em “Anjo Avesso” e “Tesoura do Desejo”. Hermeto Pascoal, apesar de não abordar diretamente a alquimia em letras (por fazer música instrumental), sua busca por novas formas de som e sua abordagem quase mágica da música lembram um verdadeiro processo alquímico. André Matos (Viper, Angra, Shaman), especialmente na banda Shaman, explorou muito o misticismo e o ocultismo, com referências diretas a rituais e espiritualidade em álbuns como “Ritual” (2002) e “Reason” (2005).
Sepultura, a banda, incorporou temas esotéricos e ritualísticos em alguns de seus trabalhos, especialmente em “Roots” (1996), que mescla referências tribais e espirituais. Saturnalia é uma banda underground brasileira que une rock progressivo e esoterismo, inspirando-se em ocultismo e simbologias herméticas. A banda Os Mutantes (Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias), flertava com o misticismo psicodélico, trazendo referências sutis a estados alterados de consciência e filosofia esotérica. Embora Gilberto Gil e Caetano Veloso não sejam explicitamente alquimistas ou ocultistas, suas obras exploram temas que dialogam com a alquimia de forma simbólica, filosófica e espiritual. A Tropicália, movimento que ambos ajudaram a fundar, envolvia um processo de “transmutação cultural”, onde elementos aparentemente incompatíveis eram fundidos para criar algo novo, assim como na Magnum Opus alquímica.
Gilberto Gil sempre esteve ligado a temas esotéricos, filosóficos e espirituais em sua obra. Ele incorpora referências ao misticismo, à física quântica e a processos de transformação que podem ser associados à alquimia. “Refazenda” (1975), é um álbum de experimentação sonora e lírica, evocando o conceito alquímico de renovação e transmutação. A ideia de “refazer” remete ao processo da Magnum Opus, onde algo bruto é refinado até alcançar seu estado mais elevado. “Refavela” (1977) é a fusão de ritmos africanos, brasileiros e jamaicanos pode ser vista como um processo alquímico de transformação cultural. Já, “Realce” (1979), com sua faixa-título sugere iluminação e brilho, conceitos próximos à ideia da Pedra Filosofal, que simboliza a iluminação espiritual. “Quanta” (1997) tem forte inspiração na física quântica e na relação entre ciência e espiritualidade, um tema que também ressoa com a alquimia moderna. Gil frequentemente aborda a música como uma ferramenta de evolução e transformação pessoal, algo que ressoa com a alquimia como ciência espiritual. Caetano Veloso, assim como Gil, também se interessa por processos de mudança e fusão de elementos. Sua abordagem filosófica e poética tem muitos pontos em comum com o simbolismo alquímico. “Tropicália ou Panis et Circensis” (1968), o movimento tropicalista era, em si, uma grande experiência de transmutação cultural. Ele misturou música brasileira tradicional, rock, psicodelia e vanguarda, um processo que se assemelha à fusão dos elementos na alquimia. Em “Cinema Transcendental” (1979), o conceito de transcendência está presente na alquimia espiritual, onde o indivíduo busca um estado superior de consciência. “Araçá Azul” (1973) é um dos discos mais experimentais de Caetano, onde ele desconstrói a forma tradicional da música popular brasileira.
A desconstrução e reconstrução são partes essenciais da alquimia, seja no campo material ou simbólico. “Cores, Nomes” (1982), remete à associação alquímica entre cores e estágios da Magnum Opus (Nigredo, Albedo, Rubedo). Além disso, Caetano constantemente aborda temas filosóficos e espirituais em sua obra, e sua busca pela reinvenção artística pode ser lida como uma jornada alquímica. Embora nem Gilberto Gil nem Caetano Veloso mencionem diretamente a alquimia em suas composições, suas obras incorporam processos alquímicos de transmutação cultural, espiritual e artística. O conceito de fusão de influências musicais e a busca por novos significados se assemelham à busca da Pedra Filosofal, tanto no sentido artístico quanto filosófico. Muitos desses artistas buscaram transformar conhecimento oculto e simbologias herméticas em música, criando obras que ecoam até hoje no imaginário esotérico da MPB e do rock nacional.
Vários artistas mostram como a alquimia, além de ser um sistema filosófico e espiritual, continua a inspirar a música contemporânea como metáfora para transformação, autoconhecimento e transcendência. A permanência da alquimia na arte e literatura contemporânea mostra que, mais do que uma prática medieval, ela continua a ser um poderoso símbolo da evolução humana e da busca pelo conhecimento. Expressões artísticas em geral evocam a alquimia como um símbolo de conhecimento oculto e busca pelo poder. Além disso, o surrealismo e outras correntes artísticas incorporaram elementos alquímicos em suas expressões visuais e conceituais, representando a jornada do artista como uma forma de transmutação espiritual e intelectual.
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Marco Mammoli, Mestre Conselheiro e Membro do Conselho do Colégio dos Magos e Sacerdotisas
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O colégio dos Magos e Sacerdotisas, a partir de março de 2025 iniciará novas turmas, para informações ou matrículas, os interessados podem entrar em contato direto com o Colégio dos Magos e Sacerdotisas através da Bio, Direct e o Whatsapp: 81 997302139.
