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Do interior para a senzala da cidade… e um bebê do patrão

Quando Maria dos Anjos chegou do interior para trabalhar na casa do desembargador Jorge de Tall, ela tinha apenas doze anos. Carregava na sacolinha de plástico, o vestido floreado de ir à missa, duas calcinhas e a foto da família.

Durante a longa viagem de ônibus até a cidade grande, ela manuseou o retrato várias vezes para olhar a mãe e os quatorze irmãos. Ao fundo da imagem em preto e branco, via-se a casa de dois cômodos, onde todos viviam desde que o pai morrera soterrado na obra onde era pedreiro. (Brígida De Poli).

O retrato trazia à tona memórias, lembranças, cheiros, sons. Parecia ouvir a risada dos irmãos, uma escadinha, todos com tão pouca diferença de idade, brincavam animados no pátio de casa e os gêmeos, ainda bebês, que revezavam os peitos da mãe.

A tristeza abateu a todos com a morte do pai. Maria Alice, de 11 anos, ficaria responsável pelos irmãos; iria cozinhar, e ajudar a cuidar dos irmãos menores. Antônio era agora o “homem da família” aos 10 anos.

Maria dos Anjos lembrou do rosto da mãe tão triste e magro e sua máquina de costura que nunca parava de trabalhar, cosendo para nutrir a todos.

No ônibus, Maria dos Anjos adormeceu com saudades de casa. Acordou com a claridade na janela. Estaria próxima do seu destino? (Tais Palhares).

Dirigiu-se à passageira mais próxima para indagar sobre seu destino. Era uma moça de cútis e roupas tão bonitas como nunca vira. Timidamente, a menina mostrou-lhe um pequeno pedaço de papel no qual alguém escrevera o endereço da futura patroa.

A moça não pegou o papel, mas pediu que lesse o que estava escrito. Obedecendo, leu com certa dificuldade. A moça sorriu e disse para Maria dos Anjos que ainda estava longe. Em seguida, comunicou que desceria na próxima parada, mas antes, pediria ao motorista para avisar, quando chegasse próximo do destino almejado pela menina. E assim fez.

O ônibus foi ficando mais vazio. A menina sentou no lugar mais próximo do motorista. Percebeu que ali sacolejava demais. Ficou em pé e foi perguntar ao motorista se faltava muito. Ele respondeu que esquecera de avisar… Já passara do local. Parou para ela descer. Teria que caminhar menos de um quilômetro. (Edna Domenica).

Maria dos Anjos foi perguntando pelo caminho até encontrar o casarão de dois andares, com jardim e três carros na garagem. Olhou espantada porque nunca vira algo assim antes. Estava cansada e pingando suor quando bateu à porta da mansão.

– Esta é a nova empregada, Maria – disse Senhora Tall ao marido.

O desembargador mal olhou para a menina, mas falou entredentes:

– Mande essa criatura tomar um banho que ela está cheirando mal.

Logo, a menina descobriu que não dormiria na casa grande, mas no quartinho minúsculo, sem janelas, que ficava no fundo da propriedade. No anexo ficavam também a cozinheira e o jardineiro, que eram casados, e tinham uma filha um pouco mais velha do que Maria, além do motorista da senhora. Maria não descobriu de quem era o bebê que chorava. (Brígida Poli)

Norma, a cozinheira, acompanhou Maria até seu quartinho e recomendou:

– Tranque sempre a porta a chave.

A menina nunca tivera um quarto só seu. Na ponta dos pés, olhou- se no espelho sobre a pia. E logo lembrou dos irmãos empilhados, dormindo numa cama só.

– Como estariam todos em casa?

No dia seguinte, vestiu o uniforme que ficou muito grande no corpo magro. Seguiu para casa grande, onde seria responsável pela arrumação do andar superior, os quartos, banheiros, salas de música e brinquedos.

Seus olhos atentos percorriam as salas e corredores cheios de retratos de gente que parecia importante, ouvindo as ordens e orientações. (Tais Palhares).

Ao voltar para o anexo, depois de lavar toda a louça do jantar, viu Lininha, a filha de Norma embalando o bebê que antes ouvira chorar.

– É seu irmãozinho? – perguntou.

A garota não respondeu.

Os dias passaram e, no final do mês, Maria dos Anjos estava ansiosa para receber um dinheirinho, como haviam prometido à sua mãe. Sonhava em enviar ajuda para casa e, se desse, até comprar um par de sapatos para substituir seu velho chinelo rasgado. Mas, não lhe deram nem um centavo.

– Você já ganha casa e comida! – explicou-lhe a patroa.

Anos depois, de seu mesmo, Maria dos Anjos só tinha um bebê para criar. Ele se parecia muito com o filho de Lininha. E os dois eram “a cara do Dr. Jorge”, cochichavam os outros empregados. Maria nunca mais viu a mãe e os irmãos. (Brígida Poli).

……….

*Brígida Poli, Taís Palhares e Edna Domenica

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