Recíproca verdadeira
Dois corpos não ocupam o mesmo espaço no mesmo tempo, viram, moços?
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No Brasil de Jair Bolsonaro, qualquer coisa que se produz contra ele é narrativa. Contra os outros é caso de polícia. Nesse Brasil, a Câmara dos Deputados tem quórum suficiente para aprovar a proposta de anistia aos condenados pelos ataques de 8 de janeiro de 2023 e ao próprio Bolsonaro que ainda não foi condenado. No mesmo Brasil bolsonarista, o ex-presidente diz a deputados e senadores que não abrirá mão de sua candidatura à Presidência em 2026. Ou seja, no país do punhal verde e amarelo não há espaço para Luiz Inácio, Alexandre de Moraes deveria estar morto, o procurador-geral Paulo Gonet é mentiroso e o tenente-coronel Mauro Cid um louco que vende jóias que não são suas e rasga dólares.
Esquecido de que está inelegível e a dois passos do purgatório, também chamado de calvário das almas, Jair Messias aposta as fichas que não dispõe na suposta força dos bolsonaristas, cujas cabeças têm, comprovadamente, menos miolo do que o pão francês. Ele também deve estar esquecido de que dez entre dez bolsonaristas são oportunistas. Fecham com quem estiver na frente ou com aqueles que oferecem mais vantagens. Que o digam Valdemar Costa Neto, Arthur Lira, Ciro Nogueira, Ronaldo Caiado e Romeu Zema, entre outras centenas de maus exemplos. Não digo péssimos, porque a rasteira final ainda não foi dada.
Caiado foi o primeiro a se aproveitar do inferno astral do “amigo querido” para oferecer o paraíso resfolegante aos que topam tudo por uma boquinha no poder. Nada de anormal, considerando que a política é a arte de conviver com a hipocrisia. É nela que, ao mesmo tempo, o traidor enaltece o bom caráter do traído e expõe a todos a própria mediocridade. Respeitando o fanatismo útil dos idólatras de plantão, não esqueço jamais do princípio filosófico de que, em política, toda a poesia é uma mentira à qual a consciência se recusa a ouvir. Por isso, concordo com a tese verde e amarela de que, no Brasil de Bolsonaro, Lula é carta fora do baralho.
E quem não é nesse Brasil do sangue nos olhos. Ou seja, partindo do pressuposto de que povo alienado é sinônimo de politicalha feliz, o inverso também é verdadeiro. Mantido o quadro atual, talvez não sobre espaço para Jair Messias nem como peru de fora. É a lei de causa e efeito, isto é, quem com ferro fere, com ferro acaba ferido. É o ouro de tolo cantado em verso e prosa por Raul Seixas. É a sociedade que, em 1970, apoiou o milagre econômico e hoje, desassistida de consciência, protesta contra si mesma. O resultado prático dessa confusão mental é que qualquer jogo a ser jogado acaba sem esperança alguma de futuro.
Por mais que achem, não existem mitos ou salvadores da pátria diante do caos que se aproxima. Sem uma combinação prévia com os russos, nem o novo deus norte-americano conseguirá nos tirar do atoleiro. Está provado que a montanha russa da política do Brasil não é para faladores. Decorrência direta das fantasias e das ilações do atual e do ex-governante, nosso cotidiano nos transforma em mágicos e propagadores de mentiras. Como prefiro a realidade, me manterei longe das expectativas até que 2026 se materialize em fatos. Por enquanto, o que sei é que, mesmo sem espaço no Brasil de Bolsonaro, Lula da Silva ainda é o presidente da República. Aguardemos a sentença das urnas para saber se ele permanece araruta ou se vira mingau.
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