Aqueles que me conhecem sabem que a minha esposa, a Dona Irene, é uma torcedora voraz do Palmeiras. E essa intensidade de sentimentos pelo Palestra Itália quase nos fez apanhar no dia 25 de novembro de 2018 em pleno estádio de São Januário.
Penúltima rodada do Campeonato Brasileiro, que poderia dar o título para o Verdão, as arquibancadas lotadas de vascaínos, muitos exaltados com a situação crítica do time. Lá estávamos nós dois infiltrados naquela multidão, tentando não parecer que éramos inimigos, como dois espiões em plena Guerra Fria entre a antiga União Soviética e os Estados Unidos.
Definitivamente, não é uma situação confortável, ainda mais porque estávamos no meio daquela multidão vascaína, mas também bem próximos da pequena, mas muito barulhenta, torcida palmeirense. Isso fazia com que a minha esposa ficasse olhando e sorrindo para os seus aliados, inclusive acompanhando, mesmo que baixinho, os seus cantos. Para disfarçar, eu soltava um “Vai, Vasco!” de vez em quando. Inclusive alguns torcedores ao redor trocavam algumas opiniões comigo, que falava que tínhamos que apoiar o time, mesmo que a maior referência fosse o Pikachu. Não que ele fosse ruim, mas era muito pouco para a grandiosa história cruzmaltina.
O primeiro tempo acabou e havíamos sobrevivido. Mas ainda restava a etapa final, e o Palmeiras parecia um pouco melhor. Isso fez com que a minha mulher começasse a dar aqueles pulinhos e colocar as duas mãos no rosto quando surgia um “quase gol” a cada ataque do Verdão. Eu, obviamente, gritava ainda mais alto “Vasco! Vasco!”, pois precisava garantir a nossa sobrevivência entre aqueles caras enormes. Não sei se eles eram realmente grandes e fortes, talvez seja mesmo o medo que nos faz sentir bem pequenos diante da iminência de tomar uma surra. E lá ia eu me tornando quase um torcedor histérico do Vasco da Gama.
O tempo ia passando, o empate dava o título ao Palmeiras. Na verdade, esse resultado era até bom para o Vasco. Mas eis que, aos 26 minutos do segundo tempo, acontece um gol do atacante alviverde Deyverson. A Dona Irene talvez tenha se esquecido de que estávamos naquele campo minado de apaixonados pelo Vasco e, então, gritou “Gooooollll!!!” Todos ao nosso redor nos encararam como se dissessem “Que porra é essa?”. Eu, fingindo ficar com raiva, falo bem alto para que todos ouçam: “Para!!! Não foi gol do Vascão!”. A minha mulher, que pareceu voltar ao planeta Terra nesse momento, fingiu ficar emburrada e solta um “Droga!!!”, enquanto eu tentei fazer com que aqueles vascaínos ali pertinho ficassem realmente convencidos de que éramos aliados e voltei a entoar “Vasco!!! Vasco!!!”. Alguns me acompanharam e, não demorou, outros fizeram com que todo o estádio voltasse a apoiar o time de São Januário.
O jogo terminou, algumas pessoas perto de onde estávamos vieram nos cumprimentar, crentes que éramos mesmo vascaínos. Falamos aquelas trivialidades de que o time havia se esforçado, que o elenco não era dos melhores, mas que a torcida precisava continuar apoiando.
Eu queria sair logo dali, pois o espírito de Porco da Dona Irene estava ressurgindo e, com certeza, correríamos sério risco. Caminhamos um bom pedaço e conseguirmos embarcar em uma lotação até a estação do metrô, de onde rumamos para Copacabana, pois havíamos combinado de nos encontrar com nossos amigos Antonio Manoel, Lindy e Sonia Clair.
No bar, a minha esposa pode finalmente comemorar o título do seu amado time. O Antonio Manoel, que é vascaíno, até achou divertido aquela alegria da minha amada. Seja como for, o dia havia sido extremamente tenso! Mas sobrevivemos!
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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