Bombita
Dona Irene, quem diria, conheceu seu segundo amor
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emA minha esposa – a ‘famosa’, dizem, Dona Irene – e eu estávamos perambulando pela Recoleta, famoso bairro de Buenos Aires. Ela e eu adoramos bater perna, principalmente quando estamos em uma linda cidade. E a capital argentina é, aos meus olhos, deslumbrante!
Lá pelas tantas, ela decide entrar numa galeria apenas para aumentar o número de passadas ou, talvez, achar algo para comprar. Passamos por uma vitrine de casacos de couro, onde ela deu aquela olhadela sem demonstrar muito interesse. Seguimos até o final da galeria, mas, quando estávamos retornando para a calçada e continuarmos a nossa perambulação pela capital portenha, ela fincou os pés novamente em frente à vitrine.
Ela olhava, olhava, mas nada parecia agradá-la. De vez em quando, ela cismava em observar um determinado modelo, mas, logo em seguida, seus olhos se desviavam e sua boca repuxava para o lado, como se dissesse: “Não gostei!” Até que apareceu o Jayme, dono do estabelecimento. Ele foi muito atencioso conosco. Aliás, não sei por que muitos brasileiros não gostam dos argentinos. Na verdade, sempre fui muito bem recebido por lá.
Uma vez fui com a minha filha e, infelizmente, a única pessoa que não foi muito cordial conosco era justamente uma brasileira. Não que nós brasileiros sejamos assim! Não mesmo! Tirando aquela pequena parte que mora em Curitiba, nós somos, também, muito receptivos! Pequena parte é modo educado de se falar. Mas não quero entrar em atrito com aquela cidade, onde passei por maus bocados. Outra hora eu conto.
Voltando aos tais casacos, o Jayme perguntou para a minha esposa se ela havia gostado de algum. Ela respondeu que ficou interessada em um deles, mas a cor não lhe agradava. Então, ele perguntou qual a cor que ela gostava, no que ela apontou para um outro casaco também na vitrine. O cara disse de pronto: “Amanhã vai ficar pronto!” Ela quis saber como aquilo seria possível, e ele respondeu que também era o dono da confecção e ela poderia passar no outro dia, que lá estaria o casaco do jeitinho que a minha esposa desejava.
Os dois se deram tão bem, que acabaram engatando uma conversa. Ela fala muito bem espanhol, eu entendo uma palavrinha aqui, outra ali. Ler é até relativamente fácil, mas quando as palavras são expulsas pelos lábios, eu me perco quase que por completo. Contudo, eu me recordo dela falando que era apaixonada por dois homens: por mim e pelo Ricardo Darín. Na verdade, ele era o protagonista da maioria dos filmes que assistíamos na época.
Saímos da loja, fomos dar mais uma volta e, aí, começamos a ver se havia algum filme do Darín em exibição. Não havia! Mas algo melhor aconteceu. Ele estava em cartaz com uma peça de teatro chamada “Escenas de la vida conyugal” ao lado da também maravilhosa Érica Rivas.
Não tivemos qualquer pontinha de dúvida e compramos os ingressos para aquela mesma noite. Íamos ver de perto o outro amor da minha esposa. Na hora eu nem me importei de não entender muito bem o idioma falado na maioria dos países americanos. Passamos o resto do dia perambulando por Buenos Aires e, no final da tarde, voltamos para o hotel, que ficava bem perto do teatro.
Estávamos ansiosos, com aquele frio na barriga. Tomamos banho, nos arrumamos e fomos, quase saltitantes e rindo, para a porta do teatro. Fomos praticamente os primeiros a entrar. Nossos assentos ficavam bem em frente ao palco, mas pouco elevado. Não me lembro exatamente quanto tempo ficamos lá aguardando o começo da peça, mas sei que todas as cadeiras logo ficaram ocupadas.
Quando a cortina se abriu, a minha esposa apertou forte a minha mão esquerda. Ela estava muito emocionada em ver de perto aquele ator tão fantástico. Aliás, ela e eu nos referimos ao Darín como a Fernanda Montenegro dos argentinos.
A peça foi maravilhosa, muito engraçada. A minha esposa, no início, ficou traduzindo as falas dos artistas, mas falei para ela curtir a peça e não se preocupar comigo. Não sei o que aconteceu, mas também comecei a entender muitas coisas do que o Darín e a Érica falavam. Provavelmente, tenha sido pela ênfase com que eles pronunciavam cada palavra. A peça foi muito divertida mesmo! Ficamos satisfeitíssimos com esse pequeno contato com o Ricardo Darín ou, como a minha mulher e eu o chamamos, Bombita, por causa do filme “Relatos selvagens”.
Saímos do teatro, a Dona Irene não queria ir embora e ficamos ali por perto. Então, eu falei que provavelmente o nosso ator preferido deveria sair por uma porta ao lado do teatro. Havia uma pequena multidão ali conosco. Não tardou e lá surgiu o Bombita.
A minha mulher quase teve um treco de tanta emoção, mas se conteve. Ele conversou com algumas pessoas que se aproximaram dele. Ela e eu chegamos mais perto, mas mantivemos certa distância, pois não gostamos desse lance de atormentar os famosos.
Passei boa parte da minha vida morando em Copacabana e Ipanema, onde você sempre acaba esbarrando com um jogador de futebol ou artista, mas sempre me mantive distante. Mas confesso que com o Bombita tive certa coragem e fui arrastando as minhas pernas, ainda mais porque a Dona Irene me puxava pelo braço.
Depois de conversar com alguns fãs, o famoso astro portenho nos observou. A minha amada lhe perguntou se ela poderia se aproximar. Ele abriu um sorriso e disse que sim. A Dona Irene foi logo falando que nós havíamos vindo do Brasil apenas para vê-lo.
Os dois trocaram algumas palavras em espanhol, eu fiquei ali observando. Ele apertou a minha mão, e eu lhe disse que ele era o maior ator do mundo. Ele agradeceu timidamente e, percebendo que eu não falava castelhano, começou a se comunicar em um português muito nítido. O Bombita fala a nossa língua perfeitamente! Tirei algumas fotos da minha mulher com o Darín. Não quisemos mais tomar o tempo do carismático e atencioso ator e nos despedimos. Ele atendeu outros fãs, enquanto voltamos para o hotel nos beliscando para termos certeza de que não estávamos sonhando.
Chegou o dia seguinte, batemos mais perna por aquela metrópole que tanto amamos e, no horário combinado, fomos buscar o casaco de couro de cor vinho da minha esposa. Obviamente, ela perguntou para o Jayme adivinhar quem a gente havia conhecido na noite anterior. Mas antes que ele tentasse acertar, ela mostrou as suas fotos com o Bombita. “Você conseguiu encontrar o seu segundo amor!!!”, ele disse. Depois nos despedimos do Jayme e voltamos pro nosso quarto. Essa foi uma das viagens mais legais que tivemos! E até hoje assistimos aos filmes do Ricardo Darín, que, para a gente, repito, é a Fernanda Montenegro da Argentina.