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Advogado esperto

Donato rouba noiva, paga por milho e recebe consulta

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Produção Irene Araújo

Donato Alcântara, renomado advogado, não perdia nenhuma causa sequer. O preço era salgado, mas os clientes, até mesmo aqueles mais avarentos, sabiam que era pule de dez. Por conta disso, Donato encheu a burra de dinheiro antes de se engraçar para o lado da bela Juliana. O problema é que a moça estava comprometida com o Nestor, herdeiro da família Guimarães, uma das mais poderosas da região de Cristalina, em Goiás.

Topetudo que era, foi ter uma conversa com a Juliana, que se mostrou interessada. O problema era convencer o pai da garota, que já havia dado a palavra para o outro. Seja como for, Donato, numa manhã fria, tomou coragem e foi bater à porta da casa do homem a quem desejava ser seu sogro. Não teve sucesso e, por pouco, não saiu dali carregado num caixão. No entanto, Donato, acostumado com as artimanhas dos tribunais, não era de desistir fácil.

Sem maiores perspectivas de resolver a pendenga com o futuro sogro, foi direto ao coração da dona Diva, mãe da pretendida. Encheu-a de mimos e galanteios e, não tardou, a senhora concordou em acobertar o relacionamento da filha com Donato. Mas que casassem o mais rápido possível, pois não queria ver a filha falada.

O casório aconteceu dois meses após, quando os enamorados, sob a testemunha da dona Diva e de Deus, se casaram numa paróquia afastada, além de assinarem os papéis no cartório. Tudo dentro dos conformes, Donato e Juliana se tornaram marido e mulher. O problema é que não poderiam voltar para Cristalina, pois não seria prudente enfrentar o sogro, que, como se esperava, andava possesso com aquele cambalacho. E, se o velho não enfartou, foi por conta de muito chá de erva cidreira preparado pela esposa.

Donato e Juliana fugiram para Brasília, que entrava na adolescência no início dos anos 1970. Na nova capital, o advogado ficou ainda mais rico, enquanto a mulher, a cada dia, sentia mais saudade da cidade natal. Diante de tal sentimento, o homem se viu obrigado a confortar a amada e, durante os anos que se seguiram, prometeu que eles retornariam para Cristalina assim que ele se aposentasse.

Logo após completar 70 anos, Donato já não tinha lugar para guardar tanto dinheiro. Filhos criados, todos os netos encaminhados, beijou os lábios da mulher. Ela, apesar da ausência de palavras do esposo, soube que, após décadas de espera, finalmente havia chegado o tempo de voltar. E foi o que aqueles dois fizeram no mês seguinte.

O casal se instalou na antiga fazenda do sogro, que morreu sem perdoar a traição do genro e da filha. A sogra, que chegara aos 102 anos, continuava no local, onde não aceitava ser tratada como inválida, apesar das limitações da idade. Mas recebeu com bons olhos que a filha e o genro viessem morar com ela.

Donato, que nunca havia morado na roça, começou a gostar da ideia. Tanto é que até comprou um belo cavalo manga-larga tordilho. Uma belezura! De tantos mimos que o animal recebia, acabou recebendo a sugestiva alcunha de Mimoso.

Aquele lar parecia tão harmônico, que ninguém mais tocava no passado. Entretanto, como o Diabo não dorme para sempre, eis que, numa ensolarada manhã de dezembro, o Nestor, aquele mesmo que deveria ter desposado a Juliana, surgiu na varanda da ampla casa da fazenda da dona Diva. O gajo queria porque queria ter um dedo de prosa com o Donato. A coisa não só parecia séria, mas era.

— Bom dia, Nestor.

— Bom dia, doutor Donato.

— Não precisa me chamar de doutor. Somos vizinhos.

— Não, senhor! Prefiro manter a formalidade, pois vim aqui pra fazer uma consulta a um advogado e não ficar de bate-papo com vizinho.

— Que seja.

— Então, quero saber do senhor uma coisa.

— Prossiga.

— Se o cavalo do vizinho arrebenta a cerca e come o milho do vizinho, este vizinho tem o direito de cobrar?

— Sim, lógico! Nada mais juto. Aliás, justíssimo! O vizinho tem obrigação de pagar pelo prejuízo causado pelo animal.

— Bom saber. Então, o senhor está me devendo 10 mil reais. O seu cavalo entrou na minha lavoura de milho.

— Está certo. Vou pegar seus 10 mil. Mas você aceita um cafezinho enquanto pego o seu dinheiro?

— Não, senhor! Estou com pressa.

Donato logo retornou com o dinheiro e o entregou ao Nestor. Este conferiu e, em seguida, o enfiou na algibeira. Deu as costas e foi saindo.

— Ué, mas já vai?

— Sim. Não tenho mais nada a fazer aqui.

— Tem, sim, Nestor. Você veio aqui fazer uma consulta.

— Sim, e foi o que fiz. Até logo!

— Pois é, parece que você se esqueceu de algo.

— Do quê?

— Faltou pagar pela consulta. O preço é 20 mil. Mas como somos vizinhos, o preço é 10 mil.

Pego de surpresa, Nestor nem teve tempo de pensar, tratou de meter a mão na algibeira e pegou todas as notas. Encarou o rival, depositou o dinheiro sobre a mesa e saiu enfurecido.

*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.

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