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Dono do mundo despreza Lula, que odeia o Jair, que não é dono de nada
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emA preocupação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o retorno apoteótico de Donald Trump à Casa Branca é plausível até certo ponto. Também há plausibilidade contida na incontida alegria do ex-presidente Jair Bolsonaro com a eleição do suposto parceiro norte-americano. Todavia, a vitória trumpista não significa elixir para um e purgante para outro. O que pode ser ruim para Lula e aparentemente muito bom para Bolsonaro é que o futuro mandatário dos Estados Unidos pensa mais com o fígado do que com a cabeça e, como integrante do Partido Republicano, é conservador com os interesses dos outros. Com os dele, nem tanto.
O fato de Trump não ser afeito ao Estado Democrático de Direito é mais um aspecto que deve ser entendido como ruim para o atual e bom para o ex-presidente. Obviamente que, por enquanto, o bom e o ruim não passam de hipótese. E deverão continuar hipotéticos ad aeternum. A razão para esta afirmação é muito simples. Por mais que, a partir de janeiro de 2025, Trump queira agradar o líder de seus seguidores brasileiros, em algum momento do seu mandato ele será informado de que, apesar do bananismo da república, o Brasil ainda é uma nação independente, soberana, livre e nada parecida com a Venezuela de Nicolás Maduro. Portanto, nem mesmo a sonhada tomada de poder poderá ser vislumbrada conjuntamente pelo mestre e pelo pupilo tupiniquim. Ou seja, apesar de amado pelo dono do mundo, Jair Messias não é mais dono de nada.
A não ser que Trump e Bolsonaro se aliem a Nicolás, ao argentino Javier Milei e ao nicaraguense Daniel Ortega contra Lula da Silva. Nesse caso, poderíamos imaginar um carnaval fora de época em redutos bolsonaristas como Florianópolis, São Paulo, Campo Grande, Porto Alegre, Curitiba e Distrito Federal. Nada mais do que isso. Por conta do tabuleiro político de hoje e de 2026, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Goiânia, Salvador e Fortaleza estariam fora de cogitações. Conjecturas à parte, poucos têm dúvida de que a gestão de Donald Trump será marcada por discursos e ações movidas pelo ódio, pelo racismo, xenofobia, arrogância, desrespeito e, sobretudo, pelo preconceito.
Embora sejam caros para alguns, tais temas certamente voltarão a ser explorados pelos que têm o presidente estadunidense como ídolo e, principalmente, por aqueles que são fãs incondicionais do arbítrio e do despotismo. O que, até agora, passou despercebido pelos dois lados é o desprezo óbvio de Trump pelos latinos, incluindo os brasileiros acochados nos Estados Unidos e os que mantêm o sonho de o Brasil voltar a ser dominado por ditadores. Ainda que os brazucas sedentos pelo abraço de Trump sonhem acordados, o Brasil da ultradireita parece ser prioridade zero menos dois para o líder republicano. Ou seja, ao contrário do imaginário dos fundamentalistas, o “colega” dos EUA tem coisas muito mais importantes para pensar.
Por aqui, flamenguistas, corintianos, botafoguenses, atleticanos e vascaínos também estão preocupados com outras questões. Entre as premências do presidente eleito para comandar a mais poderosa nação do mundo, a principal é a manutenção do negacionismo em relação ao aquecimento global. Assim como seus fãs brasileiros, com certeza Donald Trump não está nem aí para as consequências das mudanças climáticas ou das queimadas. Outra predileção anunciada pelo magnata norte-americano é a caçada implacável aos imigrantes ilegais, entre eles milhares de brasileiros. Simpáticos ou não às causas da direita ou da extrema-direita, os chamados intrusos devem estar “kamala” pronta, pois, a partir de 20 de janeiro, nem Bolsonaro conseguirá segurar a barra que é gostar de quem, às vezes, não gosta nem de si mesmo.
Aliás, como se comportarão depois da deportação os fiéis seguidores de Jair Messias “residentes” nos EUA? Mesmo sem direito a voto, são os mesmos que ajudaram a engrossar o quórum dos comícios do Partido Republicano. Por falar em direitos, convidado para a posse, Bolsonaro já disse sim. Ele deve ter esquecido que seu passaporte está retido desde fevereiro deste ano em meio às investigações dos atos de 8 de janeiro de 2023. Para beijar a mão de Trump, Jair precisa de autorização do ministro Alexandre de Moraes. Tudo dependerá do comportamento do ex-presidente até lá. O castigo pode ser suspenso temporariamente se ele não faltar às aulas, se não xingar mais as mulheres, se prometer esquecer definitivamente a ideia de golpes e se garantir a Tarcísio de Freitas ou a Ronaldo Caiado a vaga de candidato à Presidência em 2026. Quanto a Lula, resta torcer para que tanto Donald Trump quanto Jair Bolsonaro desçam rapidamente do palanque.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978.