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A dor da perda de um amigo acima de tudo muito querido

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José Escarlate

Ele foi um amigo dos mais queridos. Lembro do Cornélio Franco, um monstro em termos de alegria e de lealdade. Vivemos passagens incríveis na nossa vida profissional. Eu, repórter da Agência Nacional – depois EBN – e do Globo, ele, do Estado de Minas e do Jornal de Brasília. Nasceu em Guiricema e dizia que sua cidade nem constava do mapa.

Espalhava aos quatro cantos que era nascido em Curvelo, cidade da mulher, Maria Helena. Guiricema, em verdade, é uma pequena cidade mineira, na Zona da Mata, perto de Ubá. Sua população mal alcança os 10 mil habitantes.

Cornélio, uma figura ímpar, companheiro solidário, gostava de ajudar a todos. Era líder, poeta e sonhador, Tinha carisma e uma alegria impressionante. Perto dele não se conseguia ficar triste. Bom repórter, presidiu o Comitê de Imprensa do Palácio do Planalto. Era o meu companheiro de quarto nas viagens, locais e internacionais.

Nossas famílias eram amigas. Maria Helena, sua mulher, os filhos Leninha e José Carlos, que ele chamava de Zecão, e a Daniela, a Dani. Nos momentos difíceis que passei, tive o ombro amigo do Cornélio para me ajudar, quando fui cassado pelo Fernando Collor. Abriu-me as portas do Estado de Minas. “A casa é sua” – disse. Como optei por fazer a coluna, me gozava: “Zequinha, não acredito que você tenha me trocado por um colunista social?”. E ria.

“Minha rodagem” – Extrovertido, Cornélio era bem casado e apaixonado pela mulher. Na sala de imprensa brincava dizendo que se pudesse, casava com a Sônia Carneiro, repórter do JB. Soninha, à época, pesava cerca de 90 quilos e Maria Helena, 48. “É minha rodagem” – dizia irreverente.

Viajamos o mundo inteiro trabalhando. Eu, ele e o Merval Pereira, que depois desgarrou. Éramos unha e carne. No Japão, todo mundo com o fuso horário trocado, ele ia pessoalmente à recepção do New Otani e anotava no livro do hotel para que acordassem os moradores de certos apartamentos em plena madrugada. E avisava: “Insistam. Sou teimoso e não atendo telefone. Mande alguém ao quarto me acordar”. E dava o número do apartamento de dois ou três colegas

De manhã, os casos vinham à tona. Em Buenos Aires, governo Figueiredo, quatro horas da manhã, mandou entregar uma melancia, cortada em fatias no apartamento do coordenador da viagem, Octávio Bonfim, que recusou, indignado. Pior. O garçom não sabia o que fazer com a fruta cortada.

Cornélio Franco foi o garoto de ouro do ex-deputado federal Jaime Câmara, seu patrão. Cassado pela revolução no dia 13 de março de 1969, Jaime Câmara teve os direitos políticos suspensos por 10 anos, mas esteve inúmeras vezes no Planalto, levado pelo Cornélio, circulava com desenvoltura entre o Gabinete Militar e o SNI.

Pelas normas da revolução, cassado não poderia frequentar o palácio ou viajar em aviões do governo. Pelas mãos do Cornélio, Jaime Câmara foi aquinhoado pelos governos revolucionários com quatro emissoras de rádio e duas de tevê. Alguém tentou saber o por quê. Segundo o Gabinete Militar, Jaime Câmara fora cassado por engano.

Uma dor muito grande – Dia 12 de outubro de mil novecentos e alguma coisa. Cornélio pegou sua camioneta para levar material de construção ao sítio, no entorno de Brasília. Estrada de mão dupla, em sentido contrário vinha um carro que carregava sobre a capota um monte de bambus. Os dois carros se chocaram de frente. Com o impacto, as peças de bambu entraram no para brisas da camioneta do Cornélio, atingindo-o na altura do pescoço.

Avisado pela Graça Quirino de que o caso era grave, corri com Aurora, para o apartamento do Cornélio, onde encontro Maria Helena aos prantos. A casa estava cheia e o querido amigo no IML. O corpo do Cornélio foi levado para Belo Horizonte. Não pude viajar por força de compromissos.

João Quirino e a Graça foram se despedir dele. Quirino conta que, com um amigo, Edmundo, do Encontro de Casais, que frequentavam, foi almoçar num restaurante de Beagá, o “Tia Lucinha”, de comida mineira. Pediram uma mesa para três – Quirino, Edmundo e… Cornélio -, acompanhado de três pingas de Salinas, e almoço para três pessoas.

O garçom estranhou, mas atendeu. Almoçaram lautamente homenageando o velho amigo, que nos deixava antes da hora. Quirino diz que, naquele momento, Cornélio, gozador e divertido que era, “deveria estar às gargalhadas”. Às 16 horas, Cornélio Souza Lima Franco, o meu amigo, baixava à sepultura.

Doeu muito. E dói, até hoje.

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