Notibras

Dor do marido dói mais que as dores de Rogéria

Rogéria corria o dia para que a noite chegasse logo para, então, se deitar. Não que fosse afeita à preguiça, mas queria se livrar das agruras do cotidiano. Casada que era há quase quatro décadas com Luciano, um inveterado hipocondríaco e carente de atenção, a mulher só encontrava ouvidos no travesseiro. E sonhava, sonhava, na vã esperança de que os sonhos lhe trouxessem algum alento.

Havia dias, no entanto, que a mulher queria chutar o pau da barraca, mas sempre conseguia segurar os ânimos. Ou era medo de que a vida saísse dos trilhos ou, talvez, receio de que algo pior pudesse acontecer. Seja como for, ela ficava parada na cozinha, observava a goiabeira pela janela e dizia quase muda, que mal conseguia ouvir os próprios pensamentos: “Calma, Rogéria, que um dia isso tudo passa!”

Lourdes, amiga dos tempos de adolescente, aparecia de vez em quando para uma visita. E lá iam aquelas duas senhoras para o jardim, onde degustavam chá com biscoitos sortidos. Entre futilidades e coisas mais urgentes como preparativos de comemorações de aniversário de algum neto, trocavam confidências.

— Vida de dona de casa não tem fim, Rogéria.

— É verdade, minha amiga.

— Mas pior mesmo é quando o marido não dá importância às nossas dores.

— Nem me fale, Lourdes. Vivo com dores 24 horas por dia por conta dos problemas na coluna e da fibromialgia, mas não reclamo.

— E o Luciano sabe disso?

— Ih, nem me atrevo a contar, pois nem adianta falar. Ele pensa que não sinto dor, pois só as dores dele que importam. Elas têm prioridade na vida dele. E isso é o que mais dói em mim!

*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.

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