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Dragão chinês faz águia americana voar para longe

As relações entre a China e os países latino-americanos estão florescendo, mas ao mesmo tempo enfrentam novos desafios, já que a região lida com várias crises em diferentes áreas. Enquanto isso, os EUA estão perdendo sua influência na região, conclui um estudo do think tank norte-americano Brookings.

À procura de novos caminhos para o desenvolvimento sustentável, os governos latino-americanos receberam calorosamente a China quando ela fez sua estreia na região, em meados dos anos 2000, observa o estudo.

As relações entre os países latino-americanos e Pequim depois se tornaram mais pragmáticas, quando elites e parte da população dos países da região começaram a perceber os benefícios da aproximação com a China com mais ceticismo, mas reconhecendo as vantagens líquidas, diz o autor, Ted Piccone.

Reação dos EUA
Os Estados Unidos começaram a prestar atenção à crescente influência da China e passaram a entender que seu papel histórico como principal potência na região estava em risco.

O estudo salienta que a administração Trump não conseguiu alterar essa tendência e falhou em ter prioridade nas relações dos países latino-americanos com o resto do mundo, com Ted Piccone enfatizando que Washington precisa de uma abordagem mais generosa e sofisticada.

Em termos de comércio e investimento, em questão de uma década, a China passou de um país quase sem presença na região latino-americana para um jogador de peso, com uma política benéfica para todos os envolvidos.

Os Estados Unidos, por sua vez, lançaram uma campanha que pretende ser capaz de competir com Pequim em diferentes partes do planeta, especialmente no Hemisfério Ocidental. O estudo aponta que a abordagem não pode ser única para toda a região: os EUA têm que ter abordagens para cada país da América Latina.

Que procura o ‘dragão’?
Com a chegada de Donald Trump ao poder, os países latino-americanos começaram a perceber a China ainda mais como uma parceira viável, uma vez que o presidente dos EUA recorreu repetidamente à retórica nacionalista e anti-imigração, explica o autor.

Pequim procura assegurar a entrada de energia, metais e alimentos em seu território, porque precisa deles para alimentar sua economia robusta e sua crescente classe média. Outro objetivo da atual política chinesa é expandir as exportações, bem como chegar ao topo da cadeia alimentar internacional, deduz o autor da pesquisa.

O gigante asiático quer apoiar seus parceiros ideológicos na América Latina: o governo de Nicolás Maduro, na Venezuela, e as novas autoridades comunistas em Cuba.

A expansão econômica e política da China está ocorrendo sob a bandeira da proteção da soberania nacional dos países da região, juntamente com um aumento significativo no comércio, empréstimos e investimentos. Essa abordagem, como esperado, foi bem recebida na região, observa o estudo.

Em 2000, o volume do comércio entre a República Popular da China e a região da América Latina e do Caribe foi de US$ 12 bilhões (R$ 62,3 bilhões), mas em 2019 tinha atingido quase US$ 315 bilhões (R$ 1,63 trilhão). Hoje, Pequim é a principal parceira comercial de Brasil, Chile, Uruguai, Peru e Argentina, emprestando dinheiro em grandes quantidades aos governos latino-americanos, que são reembolsados por alguns países em matérias-primas como o petróleo.

Ultimamente, as empresas chinesas deixaram de investir exclusivamente no setor extrativo e começaram a investir também na prestação de serviços e na construção de infraestrutura, bem como em projetos de eletricidade, Internet, ferrovias e construção de portos, inclusive para facilitar o próprio comércio entre os dois lados.

Visão realista da relação
Apesar de tudo, os fabricantes latino-americanos não estão satisfeitos com a política de importação da China, com Pequim não cumprindo sua promessa de abrir totalmente seu mercado interno a produtos e serviços dos países da região, observa Piccone.

As elites dos países da América Latina continuam divididas em dois grupos: um se beneficiou do estreitamento das relações econômicas com Pequim; o outro, como os fabricantes brasileiros, sofreu com as importações baratas provenientes do país asiático.

Apesar de todas as adversidades, a atividade econômica da China parece ter um efeito positivo sobre a região. Entre os países latino-americanos, Brasil exporta minério de ferro, Argentina soja, e Chile metais, com Pequim exigindo novas pontes, túneis e estádios de futebol.

As ações da China levaram ao enriquecimento da classe alta e, portanto, fizeram crescer a desigualdade nos respectivos países, mas alguns acreditam que a presença de Pequim é um contrapeso para os Estados Unidos.

A maioria dos governos latino-americanos, afirma o autor do estudo, reconhece que não pode sair da grave recessão causada pelo surto de coronavírus sem a generosidade de Pequim. Muitos deles recebem doações chinesas sob a forma de suprimentos médicos.

As empresas chinesas também estão se oferecendo para desempenhar um papel maior no espaço de telecomunicações da América Latina e do Caribe. Por exemplo, a Huawei está concorrendo a grandes concessões em redes 5G, levantando preocupações sobre segurança nacional, privacidade e vigilância por parte da China na região, explica o estudo.

Diferentes abordagens
“Após décadas de comportamento hegemônico e intervencionista na região, os Estados Unidos, após a Guerra Fria, começaram a desempenhar um papel mais benevolente”, garante o especialista do think tank.

As abordagens à política dos EUA na América Latina e no Caribe variaram de acordo com as prioridades das administrações dos EUA em matéria de política externa.

Segundo o estudo, a administração Clinton defendeu uma agenda ambiciosa que envolveria todo o Hemisfério Ocidental: a política de unir a região com base na “democracia liberal representativa, livre comércio e economia de mercado” como uma forma de alcançar o desenvolvimento sustentável.

A administração Bush, especialmente após os ataques de 11 de setembro de 2001, adotou uma abordagem mais onerosa da segurança nacional e de luta contra o terrorismo na região. Ao mesmo tempo, manteve-se fiel ao financiamento da ajuda ao desenvolvimento dos países latino-americanos.

A administração Obama, focada na crise dos imigrantes do Triângulo Norte da América Central, no entanto, deu um avanço significativo nos laços com os governos da região. Piccone aponta que a administração Obama melhorou as relações com Cuba e facilitou a assinatura de um acordo de paz na Colômbia.

Em geral, a influência dos Estados Unidos na América Latina e no Caribe foi grande nesses oito anos, embora já tenha começado a diminuir.

Após três anos com Trump no poder, os Estados Unidos estão em grande parte ausentes da América Latina e do Caribe e se tornaram mais uma vez uma força hegemônica que representa uma ameaça para os países regionais, fazendo surgir novamente opiniões menos favoráveis sobre Washington, explica Piccone.

“O antagonismo ao estilo ‘ianque volte para casa’ está revigorado […] Trump trouxe de volta a retórica intervencionista da doutrina Monroe do século XIX”, afirma o relatório.

Futuro dos poderes
Em novembro de 2020, os eleitores norte-americanos escolherão o caminho que seu país seguirá, incluindo em relação aos laços com seus vizinhos mais próximos ao sul do país.

Durante a administração Trump, o Partido Republicano, a que pertence o presidente, colocou mais ênfase no protecionismo e na política anti-imigração, políticas que o Partido Democrata não concorda e está determinado em retornar às políticas praticadas durante a administração Obama.

Joe Biden, o pré-candidato à presidência dos EUA, culpa Washington mais do que Pequim pelo estado deplorável das relações entre os Estados Unidos e os países da América Latina e do Caribe, mas afirma que os EUA têm uma grande vantagem na região. Segundo Biden, China e Rússia não têm os mesmos laços e história comum com os povos latino-americanos.

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