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‘Economizar água se aprende quando se aprende a andar’

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Formado em Ciências Biológicas pela Universidade de Brasília e doutor em Ecologia pela University of Edimburg, na Escócia, o professor Paulo Salles e diretor-presidente da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa) é um dos organizadores do Fórum Mundial da Água, que ocorrerá na capital federal, entre os dias 18 e 23 de março.

Para ele, receber um evento desse porte dá ao Brasil uma oportunidade única de trocar experiências e aprender a cuidar melhor da água. Crítico severo do desperdício, o professor lembra que “a água não é um elemento do meio ambiente como nós sempre consideramos; na verdade ela é parte da economia, da política, da organização das instituições e nós não percebíamos porque ela não faltava”.

O biólogo conversou sobre o fórum e a crise hídrica enfrentada pelo Distrito Federal, que convive com racionamento há mais de um ano.

Veja os principais trechos da entrevista:

Brasília vai sediar o Fórum Mundial da Água em um momento em que o Distrito Federal passa por uma grave crise hídrica. Isso é bom ou é ruim?

Na verdade, isso é muito bom porque o fórum é um grande evento e Brasília não foi escolhida por acaso. Além de ser a capital do país, Brasília tem muita água – dizem que 12% de toda água doce do mundo está aqui – e nós estamos num momento muito significativo, um momento de muito aprendizado que significa duas coisas: primeiro, compreender que estamos vivendo um período difícil para o planeta inteiro e estamos aprendendo isso agora porque, antes, a crise hídrica era localizada, com seca aqui, inundação ali. Agora, estamos vendo todos os países com problemas relacionados com a água. E a outra coisa que estamos aprendendo é que a crise hídrica nos mostra que a água faz parte de praticamente todas as atividades humanas. A água não é um elemento do meio ambiente como nós sempre consideramos; na verdade, ela é parte da economia, é parte da política, da organização das instituições, de muito outros fatores que nós não percebíamos porque ela não faltava. É a falta d’água que nos mostra então a importância que tem nas nossas vidas. Temos que aprender a produzir mais com menos água e a poupar com muita sabedoria desde cedo, desde a infância, para que a gente possa no futuro ter pessoas com uma qualidade de vida boa com menos água.

A maneira como Brasília está encarando essa crise hídrica pode considerada positiva? Pode ser interessante para o fórum?

Os habitantes de Brasília não estavam habituados a isso, porque nos nunca tínhamos passado por uma crise hídrica severa como esta. E nós estamos nos adaptando a ela, já percebemos pelas medições que estamos consumindo muito menos água – de 16% a 17% – do que consumíamos nos anos anteriores, o que é muito significativo. Aprendemos a viver um dia de racionamento a cada seis dias, mas isso é um acontecimento que faz parte do cotidiano dos nordestinos que tem muito menos água do que nós. No Nordeste, o racionamento é um dia com água para 15 dias sem água. Então, estamos aprendendo a lidar com uma realidade que já existe por aí e estamos aprendendo bem.

Uma das críticas que se ouve dos especialistas é o uso no Brasil da água tratada para finalidades que não precisariam de água potável, como a lavagem de máquinas, por exemplo. Esse é um problema que precisa ser encarado especialmente agora em uma crise hídrica?

Sem dúvida nenhuma. Esse é um problema a ser atacado. Realmente, é inaceitável lavar o chão com a água que a gente bebe porque essa água custa caro, é a mais valiosa que temos, trazida muitas vezes de uma distância muito grande, e ela tem que ser usada apenas para a finalidade maior dela: que é o abastecimento humano. Temos que aprender a usar a água da chuva, temos que aprender a reutilizar a água usada seja na indústria, na agricultura ou nas atividades domésticas. São mudanças de hábitos culturais que se refletem também na mudança da infraestrutura que temos nas nossas casas, nas nossas indústrias, no campo, para a que a gente possa distinguir as tubulações de água potável daquelas da água não potável e fazer o uso adequado das duas.

O senhor acha que o mundo demorou muito para se dar conta do problema da escassez de água? No caso do Brasil, por exemplo, Brasília foi uma cidade planejada e a questão da água não deveria ter sido colocada em patamar de importância? Será que não se atrasou para tomar consciência do uso da água?

Em primeiro lugar, com relação ao Brasil, temos que ver que é um país muito heterogêneo e a distribuição da água é muito desigual. Temos uma Região Norte com uma população relativamente pequena e uma grande abundância de água. Já a Região Nordeste tem uma população bem maior e muito menos água. Então, temos regiões com diferentes disponibilidades de água e são essas diferenças que vão levando aos aprendizados. No caso específico de Brasília, não sei se estamos atrasados. Temos que lembrar que Brasília foi escolhida para ser a capital a partir dos estudos da Missão Cruls que descreviam esta região como sendo muito rica em água – naturalmente eles tinham mais limitações tecnológicas para avaliar o subsolo – e foi considerada capaz de receber a nova capital com segurança. Com o tempo, nós fomos percebendo que não tínhamos tanta água assim, particularmente porque estamos situados no planalto, que não tem rios caudalosos. Então, fomos colocados aqui num lugar que era para ser sustentável – e Brasília nasceu sob o signo da sustentabilidade, muito bem planejada, num local escolhido com o que havia de melhor da tecnologia tanto no século 19 quanto na década de 50, que antecedeu a fundação. E agora nós estamos vivendo com a água que temos e, sim, demoramos a sentir os efeitos da falta d’água, apesar do crescimento da população que foi muito grande, apesar da ocupação que foi feita de modo desordenado – note que eu não estou falando só de ocupação ilegal que houve muita ocupação ilegal, contrariando a legislação – mas mesmo nas áreas que estavam previstas, as ocupações não foram feitas respeitando, por exemplo, o local onde seria colocada uma escola, uma rede de esgoto, uma rede de drenagem de águas pluviais. Essas coisas desordenadas estão também entre as causas da crise hídrica que estamos vivendo. E isso fez parte da nossa história. E agora cabe a nós fazermos uma boa gestão da água que temos, aumentarmos ao máximo possível os nossos mananciais que podem nos abastecer e, principalmente preservar aquilo que é necessário para o ciclo hidrológico continuar funcionando com eficiência. Isso significa preservar as matas, as áreas de recarga, as áreas que precisam ser mantidas como nascentes.

O Brasil tem essas diferenças regionais que o senhor mencionou e exige soluções diversas para cada área geográfica. Isso não daria ao Brasil a oportunidade de se tornar uma espécie de laboratório na busca de soluções para os mais diversos problemas da água?

Não tenho dúvida de que isso já está acontecendo. Por exemplo, temos a Embrapa, que é uma liderança mundial em agricultura tropical, que transfere tecnologia para muitos outros países, incluindo para que plantas possam se adaptar aos diversos tipos de solo e disponibilidade de água. Mesmo com relação ao uso da água no dia a dia, eu vou dar o exemplo de uma solução caseira, extremamente simples, que é colocar uma garrafa pet com água dentro da caixa d’água da privada para controlar o fluxo da descarga da água, que é limitado aos dois litros do conteúdo da garrafa. Ou seja, estamos buscando soluções para os problemas de uso da água. Então, eu acredito que esse é um papel que nós temos que assumir e de maneira permanente porque é muito importante investir no povo que tem criatividade, investir fundamentalmente na educação porque é uma educação científica e ambiental que levará o Brasil a ter no futuro adultos conscientes com relação ao uso da água porque compreendem o ciclo hidrológico, sabem como usar a água nas suas atividades e principalmente entendem as consequências negativas do uso irracional da água. O Brasil tem muita água, muita gente de qualidade, tem uma infraestrutura de pesquisa e desenvolvimento tecnológica já bem assentada. Agora, precisamos investir para continuar a ser referência.

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