Cabo eleitoral
Eleição, macarronada, jacaré e o pássaro-palito
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emHavia praticamente um consenso sobre política naquela família. Não que todos pendessem para um lado ou outro, mas simplesmente vigorava um quase tratado de Tordesilhas sobre isso: não se falava no assunto à mesa, especialmente aos domingos, quando todos se uniam para comer a macarronada da matriarca.
Entretanto, naquele dia, assim como o velho acordo entre os espanhóis e portugueses quanto aos domínios territoriais do então Novo Mundo, eis que Guilherme, um dos inúmeros netos, arriscou ignorar o acordo tácito. O frangote, que mal tinha uns fiapos debaixo das ventas, começou a falar do seu patrão, dono da maior rede de supermercado da região.
O empresário, segundo o rapaz, iria se candidatar a um mandato eletivo nas próximas eleições. Todos pareciam paralisados, como se alguém tivesse apertado a tecla pause. Gente com o garfo parado diante da boca escancarada, gente com o copo na mão, gente com a boca cheia de comida e sem mastigar.
Guilherme não parava de tagarelar, enaltecia o patrão como o homem mais próspero do mundo. E, melhor ainda, ele era o braço direito daquele desbravador do progresso. Tanto é que o próprio Guilherme, além de cabo eleitoral, já era detentor de algumas ações daquele negócio do futuro. Sim!
O pirralho agora se considerava um investidor, assim como o seu patrão. De tão entusiasmado que estava, pegou o copo quase repleto de tubaína à sua frente e o ergueu, chamando a todos para um brinde. No entanto, antes que essa pantomima tivesse um desfecho cheio de glórias, eis que a matriarca, com uma coxa de frango entre os dentes, o repreendeu.
– Deixa de ser besta, garoto! Pássaro-palito não vira jacaré!