Dois dias e duas noites foram suficientes para eu refletir e mudar pontualmente um conceito sobre o vocábulo ignorância. Cheguei à conclusão de que o pior dos mundos não é apenas usar a capacidade racional para passar como verdade uma opinião falsa ou incerta. Muito mais grave é quando lideranças expressivas de um ou mais poderes insistem em se utilizar de mentiras e factoides para tentar reverter, de forma ilegal e abusiva, decisões judiciais embasadas na Constituição, ou seja, absolutamente dentro das quatro linhas. Obviamente que refiro-me a um assunto que não se esgota: a canetada do ministro Alexandre de Moraes, o carequinha do STF, bloqueando o funcionamento do aplicativo Telegram no país.
A decisão é questionável para aqueles que teimam em achar que o Brasil é casa de Mãe Joana, isto é, uma nação sem lei, onde se pode tudo, inclusive ganhar eleições na surdina dos porões das redes sociais. Na prática, a determinação do ministro acabou com a chafurdação de um grupo acostumado à impunidade, mesmo após cometer reiteradamente crimes de toda a ordem, entre eles o de ameaçar autoridades do Poder Judiciário e de se insurgir diariamente contra a Carta Magna. Em resumo, a pocilga ainda não está com a porteira escancarada. Eles (os descumpridores de leis) não respeitam, mas felizmente, assim como em Berlim, há juízes no Brasil.
Bastaram alguns pares de horas após o bloqueio que poderia prejudicar sensivelmente os interesses políticos do líder maior da República e o dono a empresa controladora do app, o russo Pavel Durov (sempre eles), resolveu acatar as ordens brasileiras: o combate à desinformação e a indicação de um representante do aplicativo no Brasil. Para quem deliberadamente desconhece, essas foram as razões que fundamentaram a decisão de Alexandre de Moraes, tomada por recomendação da Polícia Federal. Antes do desbloqueio total, o Telegram também apagou um link no canal de mensagens do presidente da República.
Esse mecanismo garantia a todo cidadão acesso a documentos de um inquérito sigiloso da PF tratando sobre ataque de hackers ao sistema interno do TSE. Embora aquele pessoal que segue o líder cegamente não goste que se diga, o Brasil não é uma esculhambação. Pode até ser uma República de Bananas, mas não de bananas podres. Duela a quem duela, mesmo frágeis e obsoletas em sua maioria, as leis do país precisam ser cumpridas. Além da imediata mudança de postura por parte do criador do Telegram, a decisão do ministro Moraes foi capaz de assegurar vários pedidos formais de desculpas ao STF pela falta de respostas às informações solicitadas.
Portanto, devo dizer à sua excelência de toga que, às vezes, é necessário mostrar que sua calvície não garante superpoderes, mas lhe deu força mais do que suficiente para impedir que tenha medos. Também lhe concedeu sabedoria para, com argumentos e dados inquestionáveis, conter a pior forma de ignorância, que é aquela configurada como esperteza e geradora de fatos falseados, manipulados e arquitetados com fins nada republicanos. Nas entrelinhas, está claro que a positiva deliberação do ministro do STF quer dizer o seguinte: ganhe a eleição, mas jogue limpo e vença de modo honesto, sem fakes e ameaças claras ou veladas, tampouco com ajuda de um obscuro ministro do TSE. Não deveria ser somente teoria a tese de que a derrota é uma das consequências de qualquer competição, notadamente as eleitorais. Ninguém compete para perder, mas só garante o xeque-mate quem estiver mais forte.
Lá atrás, o ex-governador mineiro Magalhães Pinto cunhou uma frase “imorrível”, para não dizer eterna: “Política é como nuvem. Você olha e ela está de um jeito. Olha de novo e ela já mudou”. De volta ao presente, concluo afirmando que a ignorância é um direito de todos. Para minha tristeza de eleitor, no quesito política, infelizmente a maioria faz questão de exercê-la. Sem o bundalelê das redes sociais, o capitão presidente terá de buscar novos mecanismos para convencer o brasileiro de que ele, por ser o único “verdadeiro”, é o melhor para o país. Pelo que se viu nesse domingo (27), dia da formalização de sua candidatura à reeleição, será muito difícil. Cansado de mentiras e de discursos baratos do golpismo, o Brasil e os brasileiros querem resultados. E esses… Sumiram nas nuvens que desaparecem do céu de Brasília nesse período de outono.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978