Estamos em plena primavera, período das flores, das cores, da alegria e dos amores. Entretanto, esta segunda-feira, dia 3 de outubro, não será igual para todos os cerca de 215 milhões de brasileiros. Conhecido o resultado da eleição presidencial, as ruas, avenidas, praças e árvores do país certamente estarão menos felizes com o que assistiram no domingo (2). Pode ser o início do fim de um país organizado, democrático e de todos. Talvez seja o início de um arbítrio que se desenhou, mas, felizmente, ainda não se consumou. Embora não seja o resultado dos sonhos de expressiva parcela do eleitorado, ele venceu, mas não convenceu. Na verdade, terá dificuldades para consolidar a vitória no segundo turno.
O ex-presidente Luiz Inácio começou a vencer desde que se apresentou como candidato. Sabemos todos que não viveremos o melhor dos mundos, mas tê-lo de volta seria o mais razoável, o mais aconselhável, o mais prudente para o momento. Seria, mas, sinceramente, não sei mais se será. Nesse primeiro turno, ganhou quem deveria ter ganho. Afinal, foi quem gerou menos medo, foi quem se apresentou de modo mais sensato e sem ares supremos de superioridade. E foi esse medo o principal culpado pelo fracasso pessoal de um mito que se achou maior do que Deus. Ao contrário de seu slogan de governo, era ele quem sempre se colocou acima de tudo e de todos.
Resumindo a prosa, Jair Bolsonaro pode ser o responsável direto pelo sucesso meteórico do conservadorismo, mas deixou a desejar como força personalista. Não fosse sua forma tosca, desequilibrada e agressiva de ser, talvez pudéssemos conviver com esse conceito nervoso de governo por alguns anos sem reclamar. A primavera deve ter contribuído para que fizéssemos nosso dia e adiássemos essa possibilidade por mais um mês. Se existia um momento certo para alguma mudança no status quo político do Brasil, o dia seria hoje, segunda-feira, 3 de outubro de 2022, quando amanheceríamos com novos ares. Não é. No entanto, não devemos esquecer o domingo primaveril em que quase recuperamos definitivamente a liberdade perdida.
Quanto ao mito, o resultado das urnas mostra que o bolsonarismo continuará entre nós ainda por décadas. Nos governos estaduais e no Parlamento, as urnas eletrônicas validaram representantes da extrema-direita em vários estados, com destaque para os governadores Cláudio Castro (RJ), Romeu Zema (MG), Ronaldo Caiado (GO), Ratinho Junior (PR) e Ibaneis Rocha (DF); os senadores Hamilton Mourão (RS), Damares Alves (DF), Magno Malta (ES), Marcos Pontes (SP) e Sérgio Moro (PR); e os deputados federais Eduardo Bolsonaro (SP), Bia Kicis (DF), General Pazuello (RJ) e Arthur Lira (AL). Enfim, o Brasil desenhado agora é a cara do povo que o habita. Que Deus nos salve do pior.
Resumindo, é o viés conservador fincando raízes no cenário político nacional. Portanto, apesar da confirmação da vitória de Lula no primeiro turno, inegável que Jair Messias aparece como o grande expoente do grupo que representa o conservadorismo brasileiro mais renitente. A derrota temporária do presidente da República não representa o fim da norma do arbítrio. A forma truculenta de fazer política não é nova e deverá ser eternizada. O barro que fez um rachou, mas deu crias. Portanto, não nos iludamos. As decorrências da derrota deste domingo surgirão como o efeito de um purgante sobre nossas almas. Resta saber quando. Aguardemos as futuras manifestações dos nobres intestinos.
Mais relevante do que o resultado foi o eleitorado e os candidatos se darem conta da seriedade, agilidade e da isenção da Justiça Eleitoral. Nós não, mas o mundo inteiro reconhece a força do sistema eleitoral brasileiro. Não é para qualquer nação, mas o Brasil, um país continental, produziu e executou uma eleição com 156 milhões de eleitores e cerca de 600 mil urnas, conseguindo auferir números finais apenas três horas e meia após o fim do último voto. Será que ainda teremos gritinhos histéricos contra a maquininha de votar e de dilacerar corações? É esperar o segundo turno para ver.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978