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Elisa, filha Pinóquio, é desmascarada por Júlia

A pequena Júlia, apesar da pouca idade, era a criança mais séria do bairro e, se falasse alguma coisa, quase sempre os pais acreditavam. A família morava numa antiga rua em Recife, onde todos se conheciam naqueles idos pouco antes do golpe de 1964. Por ali, também morava Elisa, filha da dona Eulália e do senhor Jonas, homem austero e que exalava odor distinto por conta de colônias importadas.

Naquele tempo, os moradores da rua inteira se conheciam, mesmo aqueles que preferiam levar uma vida mais secreta. A fofoca, por assim dizer, corria solta, mas a maldade não passava de meros casos extraconjugais, certamente influenciados pelo cinema francês. Uma pouca vergonha, diziam.

Um costume que se fazia presente naquele lugar era o da esposa tomar conta de todos os afazeres domésticos, enquanto o marido cumpria o papel que lhe era devido, o de provedor do lar, doce lar. E não era diferente na casa do cheiroso da região. Tanto é que dona Eulália, bem treinada que fora pela mãe, sabia até lustrar os objetos de alumínio que eram cuidadosamente depositados sobre as tábuas da prateleira cobertas por mimosos forros brancos, caprichosamente bordados por ela ou, então, herdados da matriarca ou da sogra.

Aos sábados, as ruas reluziam o brilho desses mimos, que secavam ao sol em um jirau perto da porta da cozinha. Esse costume, aliás, era encarado como uma amostra de quem era mais endinheirado, levando-se em conta não somente a quantidade, mas principalmente a raridade dos objetos. Por conta disso, dona Eulália fazia questão de colocar um lindo e ornado jarro em posição de destaque, o que chamava a atenção e provocava olhares invejosos nas outras mulheres, enquanto os homens folheavam as enormes e barulhentas folhas dos periódicos.

Pois aconteceu justamente num sábado, quando Elisa, com a tristeza estampada no seu rosto de menina, foi bater à porta das casas da vizinhança. E quem a recebia já era informado sobre o trágico ocorrido.

— Mamãe morreu.

Todos procuravam consolar a garotinha, que continuava sua sina de informar a todos sobre o inesperado falecimento da sua mãe. Pobre menina, que, depois de completar boa parte das residências, parou diante da casa da Júlia. Esta estava de saída com a genitora, que recebeu a notícia incrédula, mas cheio de pesar.

— Meus sentimentos, Elisa. Vou já, já na sua casa.

Assim que a garota se despediu, Júlia esperou que a coleguinha se afastasse o suficiente para não escutar o que precisava dizer.

— Mamãe, a Elisa está mentindo.

— Júlia, minha filha, respeite a dor da sua amiga.

— Mas ela é mentirosa, mamãe.

— Que bobagem! Olha aquele povo todo em frente à casa da finada Eulália.

Comovida pela notícia da partida da vizinha, lá foi a mulher e a filha prestar condolências para o Jonas. Mal juntou-se à pequena plateia em frente à casa do viúvo, eis que este saiu. Estava procurando pela filha, que havia saído sem pedir permissão. O homem estranhou aquela gente toda.

— O que houve? Não vão me dizer que aconteceu alguma coisa com a minha Elisa?

Aurora, uma das moradoras mais antigas, foi a primeira a prestar condolências para o sujeito, que, a princípio, não entendeu.

— Minha senhora, a minha mulher está vivíssima da silva!

E não é que dona Eulália apareceu, para surpresa da multidão. De avental molhado porque estava areando os alumínios, ficou furiosa com a filha. Por pouco a Elisa não tomou uma surra, mas ficou uma semana inteirinha de castigo. Quanto àquela gente toda, a quase defunta não teve alternativa melhor a não ser oferecer chá e torradas.

*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.

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