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Caloteiro quase apanha

Elismando, irado, sente pena do Tião moribundo

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Reprodução/Zenklub

Sebastião fora chamado pelo nome de batismo apenas pela professora na época de escola ou, então, quando a mãe queria lhe aplicar um corretivo, tão costumeiro em tempos idos. Desde pequeno, todos o conheciam por Tião. E sempre foi assim, inclusive nos anos seguintes nos diversos empregos por onde havia passado.

Não que fosse mal funcionário, certamente diria sua avó, que sempre o protegia. Mas também não se pode afirmar que Tião se destacasse entre os demais. Talvez fosse simplesmente a falta de sorte ou, então, o excesso de azar que perambulava pela vida daquele homem.

Seja como for, a coisa não andava muito boa para o lado do Tião, que vivia deveras requisitado pelos credores do bairro. A situação ficou ainda mais drástica quando a Doralice mandou o namorado, o Elismando, cobrar o caloteiro. Não que o Tião fosse covarde, mas evitar encarar o Elismando era questão de sobrevivência. É que o amado da Doralice era o que se pode chamar de armário dois por dois.

Tião fugiu o quanto pode. Mandou dizer que na semana seguinte pagava o que devia, anunciou aos quatro cantos que a mãe estava acamada, mesmo que esta esbanjasse saúde nos bailes do clube da esquina, arranjou uma bengala e um par de óculos escuros e se fez de cego por quase um mês. As mentiras eram tantas, que acabou sendo pego quando teve a brilhante ideia de engessar a perna. Engessou a direita num dia, mas não aguentou a coceira provocada pelo gesso, que acabou arrancando aquilo tudo. Não tardou, engessou novamente a perna, só que a esquerda.

Elismando ficou tão furioso com as artimanhas do Tião, que foi tomar satisfação. Chegou esbaforido na casa do devedor. Tocou a campainha, mas esta estava quebrada. Tentou manter a calma e, então, deu três leves toques na porta. Nada! Cheio de cólera, esmurrou a porta, que quase veio ao chão.

Finalmente, uma voz bem fraca veio lá de dentro da casa. Era o Tião, que parecia doente. Elismando, todavia, estava decidido a não cair em mais uma mentira do pilantra. Percebeu que a porta estava destrancada e, sem pedir licença, entrou.

O brutamontes queria porque queria esmurrar a face deslavada do Tião. Procura daqui, procura dali, ele acabou encontrando-o deitado na cama. Estava quase disposto a arrancá-lo daquele berço esplêndido, quando percebeu um pratinho nas mãos trêmulas do gajo. Alguns grãos de ração, que eram levados, um a um, para a boca tristonha do Tião. Elismando, talvez envergonhado por ir cobrar a dívida daquele pobre coitado, quis saber o porquê dele estar comendo comida de cachorro. E, diante da resposta que recebeu, até ofereceu mais dinheiro para o caloteiro.

– Meu querido, na guerra, urubu é frango.

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