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Elizabeth parte na hora. História de mineiro perder trem é invenção

A cada domingo, às 10 horas em ponto, o culto religioso realizado no andar de cima de um sobrado de cores apagadas de Rio Acima é interrompido pelos seguidos apitos de Elizabeth, a maria-fumaça que se prepara para partir. Os maquinistas – que também são bilheteiros e comissários – gritam aos passageiros para não haver atrasos.

“Essa história de que mineiro perde o trem é coisa de paulista”, brinca Flávio Iglesias, idealizador e coordenador do passeio turístico na Maria-Fumaça do Rio Acima, uma simpática cidade de apenas 10 mil habitantes, a uma hora de Belo Horizonte.

O nome é novo. Até setembro, quando embarcamos, a locomotiva, fabricada em 1924 pela empresa alemã Orenstein & Koppel e a única do modelo em atividade no Brasil, ainda era chamada de Trem das Três Cachoeiras, referência ao circuito de cerca de 80 quedas d’água da região – mas às quais não se chega de trem.

Da influência aquífera, restaram os nomes dos vagões: Sansa, Véu da Noiva e Chicadona, que também batizam cachoeiras por lá. Os três foram comprados por Iglesias em uma parceria com a prefeitura, que trouxe a locomotiva da Paraíba em 2009. Antigo maquinista e bilheteiro, a mesma profissão do avô, Iglesias coordenou a restauração da estação construída no fim do século 19, e dos sete quilômetros de trilhos entre os bairros de Matadouro e Labareda de 2007 a 2012, ano de reabertura da estação.

Estrada Real – Mas nem o novo nome, nem os ares frescos da tintura azul e branca da estação nos tiram a sensação de volta no tempo. Seu passado imperial, aliás, está marcado nas horas. Suspenso por uma corrente, o relógio com design antigo, como se fosse de 1890, mostra que, atrás da simplicidade plebeia, Rio Acima tem pompa real.

Parte de uma velha trilha aberta pelos índios guianas e percorrida pelos bandeirantes entre a região mineradora e o litoral, a cidade margeia a Estrada Real, num trecho conhecido como Caminho de Sabarabuçu, que contorna o Rio das Velhas – visto da janela do trem ao longo dos 40 minutos de passeio. Para chegar até ela de ônibus, a partir de Belo Horizonte, consulte os horários em oesta.do/onibusrioacima.

A experiência na Elizabeth é essencialmente interna. Se o lado de fora não oferece vistas de tirar o fôlego, o banquete servido no primeiro vagão compensa. Embarcando às 10 horas, há a opção de incluir ao valor da passagem (a partir de R$ 22) um farto café colonial (R$ 12) com deliciosos bolinhos de feijão, ou optar entre bacalhau ao forno e estrogonofe (R$15) de almoço.

Com sorte, a viagem pode contar com a presença do mestre cervejeiro Alfredo Figueiredo, da VM Beer, que, entre bebericadas animadas, explica o preparo de cada um dos rótulos que nos eram servidos.

A proposta gastronômica que faz jus à fama mineira deu tão certo que Iglesias quer ir além: pretende organizar um jantar depois do último horário do trem, às 16 horas, criar uma noite natalina sobre os trilhos e fazer viagens também às sextas-feiras – hoje, a estação só abre aos fins de semana e feriados.

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