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Em butecos e por aí, o que mais se ouve é fora Jair

Muito mais ou tanto quanto as redes sociais, os táxis, bares, restaurantes, padarias, supermercados e filas de banco são termômetros políticos em qualquer quadrante do mundo. Por isso, deveriam ser “visitados” – sem claques – com mais carinho pela assessoria de Jair Bolsonaro. E essas “visitas” têm de ser feitas não apenas para marcar terreno, mas para medir a verdadeira popularidade do presidente nos estratos mais simplórios da sociedade. Nesses últimos dias, com relativa frequência, tenho ouvido pessoas avaliarem negativamente o governo bolsonarista e falar em saudades de Luiz Inácio, apeado do poder como sapo barbudo, corrupto, corruptor, líder de quadrilha e afanador de recursos públicos, entre outros adjetivos desabonadores.

Lula também tinha claque, mas era mais honesta, menos vassala e tinha discurso próprio. Apesar das adjetivações, nunca houve contra Luiz Inácio qualquer menção de desagregador, destruidor de lares, famílias, relações de amizades ou compadrios de trabalho, muito menos de ideólogo, terrorista ou fundamentalista. Com todas as letras, afirmam que o ex-presidente petista pode ter sido tudo de ruim – e foi, em parte -, mas governou para todos e jamais falou em golpe contra instituições ou contra o eleitorado cuja bandeira é o país. Foi um presidente de protagonismos. Socializou o que poucos alcançavam e, por mais que não gostasse do que ouvia ou lesse, nunca reagiu a críticas com impropérios, xingamentos ou acusações sem provas.

Foi eleito, reeleito, elegeu um poste duas vezes, chegou a ser endeusado, mas acabou crucificado, odiado, condenado e preso como Judas. Não sou, nunca fui pago para defendê-lo e fui eleitor uma única vez do ex-presidente. Minha simpatia política é do tempo do Brasil real. Votei e defendo o presidente que consolidou um projeto econômico que se mantém até hoje. Os bolsominions afirmam que ele também roubou. É provável, considerando que roubar o Erário é endêmico no Brasil. Voltando a Lula, como cidadão e contribuinte tenho o direito – talvez o dever – de compará-lo com o atual ocupante da cadeira de chefe do Executivo federal, líder de um governo de antagonismos. Tínhamos sobressaltos e ações extremadas, questionadas e lamentadas por quem não as admitia. Eu, por exemplo.

Ficava nisso. Quando cabia, detratores ou detratados recorriam aos tribunais. Jamais atacavam suas sedes ou ameaçavam publicamente a integridade física de seus integrantes. Mesmo os poderosos e os mais radicais sabiam que a Justiça os encontraria onde estivessem. Foi assim com Daniel Dantas, José Dirceu, Roberto Jefferson, Delúbio Soares, Antônio Palocci e com o próprio Lula, entre outros figurões. Só o general Villas Bôas, o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), suas trupes e a grande famiglia pensavam – e pensam – diferente. Interna ou externamente, a pregação ou efetivação do golpe custará muito caro ao Brasil. Portanto, é hora de esvaziar a gasolina da Kombi e reintegrar o cabo e o soldado a seus quartéis, pois é utopia pensar e concretizar uma invasão gratuita ao Supremo.

O mais importante na “produção” de um golpe são seus líderes. Como boas e representativas lideranças fazem sombra, elas são questionadas e escanteadas pelo próprio Bolsonaro antes que consigam mostrar serviço. O general Santos Cruz experimentou o azedume da caneta Bic presidencial. Vice-presidente eleito, o também general Hamilton Mourão sequer participa de reuniões convocadas pelo presidente. É a nova e incipiente República. No governo anterior, a turma da resistência lulista reclamava, questionava, cobrava, apupava, ocupava as ruas, mas odiava pouco a alguns. Hoje, o exército bufão de Bolsonaro odeia muito a muitos. Então, por que não compará-los?

O que não há termo de comparação é que, apesar das conhecidas mazelas, a democracia era um bem inalienável. Sabíamos da existência de políticas públicas e ouvíamos falar do reconhecimento internacional ao governo e ao povo brasileiros. Longe da política, os militares eram ainda mais reverenciados do que nos tempos da ditadura. Parece pouco – e é -, mas não custa lembrar que as classes C e D adoravam alardear o acesso ao inteiro teor do frango, à carne de primeira e às viagens aéreas. Havia discussões, debates e, na transição para Temer e Bolsonaro, confrontos desnecessários. Com Luiz Inácio, o povo também teve protagonismo, não ficando à margem dos acontecimentos, dos fatos e das mentiras. Embora o capitão opte por falar sempre para a meia dúzia que comanda (o chamado rebanhão), hoje a sociedade está ainda mais antenada.

Só ele (o capitão) e os que teimam em denominá-lo mito, mesmo sem conhecer o significado do termo, ainda não perceberam essa realidade. Por ação direta da imprensa canalha ou por vaidade ou lampejos de arrependimento de autoridades que já foram incontestáveis, um dia a casa cai, isto é, as mazelas saem do porão, sobem ao fosso e chegam à Nação. Foi o que aconteceu com o ex-comandante do Exército na época da prisão de Lula. Esta semana, ele abriu o jogo e confessou o emparedamento do Supremo Tribunal para beneficiar a eleição de Jair Bolsonaro, o pior presidente que a República Federativa do Brasil já teve, conforme avaliação minha e da maioria dos formadores de opinião que leio.

O governo do capitão não deve empurrar para baixo de tapetes palacianos o sincericídio de alguns, a verborragia dos encantados com os holofotes ou a necessidade de outros em não abrir mão de dois ou três contracheques. Os ataques terroristas ao STF, ao Congresso, aos jornalistas e a adversários políticos são creditados à administração Bolsonaro desde o início da gestão. Para ilustrar, em 2019, durante café da manhã com a imprensa canalha, o general Heleno esmurrou a mesa e gritou impropérios contra Lula, que havia questionado a facada pré-eleitoral. No início de 2020, brasileiros resgatados em Wuhan (epicentro da Covid-19) afirmaram com todas as letras que, se soubessem como encontrariam o país, não voltariam para o Brasil. Agora, início de 2021, o general Villas Bôas resolve tornar pública a “admoestação” ao STF e um deputado bolsonarista é preso por apologia ao AI-5 e ameaças aos ministros da Suprema Corte.

Ex-cobrador de ônibus e ex-policial militar, Daniel Silveira é o mesmo deputado que quebrou uma placa em homenagem à Marielle Franco. Esse é o perfil dos apoiadores do ocupante do Planalto. Encontrados do início ao fim do abecedário, os problemas e erros do governo Lula passavam bem longe da autoestima do povo, que sentia orgulho de ser brasileiro até nos momentos de crítica. Hoje, esse mesmo brasileiro tem medo de sentir medo. Difícil acreditar na seriedade de um governo que não pensa nas milhares de pessoas que morrem diariamente infectadas pela gripezinha gerada pelo novo coronavírus.

Presidente, o senhor não é Super Homem. É mais comum do que imagina. De uma vez por todas, admita que é um ser humano cheio de defeitos, sem efeitos especiais, incapaz de acertar e capaz de tropeçar no próprio ódio a qualquer momento. A pandemia não deve ser culpada de tudo. Alta descomunal do dólar, aumentos quase diários da gasolina, carne bovina, suína e de frango longe das mesas do consumidor mediano e o senhor pescando em família, aglomerando e com cacas cada vez mais grossas em nossas cabeças. Trabalhe pela nação. Pense nisso antes que comece a ecoar pelos quatro cantos do país dois mantras difíceis de esquecer: “Voltem, heróis da liberdade” e “O governo deu xabu”.

*Wenceslau Araújo é jornalista

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