Notibras

‘Em cada canto, um lobo; em cada visão, um receio’

Na névoa dos delírios, em um mundo particular,
Minha mãe construía castelos de vultos invisíveis,
Os olhos, portais para um universo distorcido,
E eu, sua filha, espectadora de medos intangíveis;

O temor, como um lobo faminto, rondava nossa casa,
Cada canto, cada pensamento, era um enleio,
Ela, a guardiã das estrelas apagadas,
Eu, a menina que aprendeu a captar cada receio;

Os remédios, pequenas pílulas de esperança,
Ela os escondia, como segredos embaixo do colchão,
Quando os parentes “evangélicos” chegavam,
Com suas palavras de cura e promessas de salvação;

“Não precisa mais tomar os remédios”, diziam,
Ela sorria, acreditando na tão sonhada redenção,
Mas os delírios voltavam, mais fortes e vorazes,
E eu via a crise emergir, como a erupção de um vulcão;

As plumas sintéticas, tão inofensivas para nós,
Para ela, eram criaturas aladas, inimigos ferozes,
Ela gritava, tentando afastar os fantasmas,
E eu, tentava entender a sua confusão de vozes;

Nossos dias oscilavam entre a normalidade medicada,
E as noites de agonia, quando a mente se despedaçava,
Eu, a filha que aprendeu a amar com medo,
A compreender com lágrimas, a sorrir com dor;

A esquizofrenia, essa teia invisível que nos envolvia,
Não era apenas dela, mas nossa também,
E, mesmo nas trevas, havia momentos de luz,
Quando ela me olhava, e era a mãe que acolhia;

Hoje, recordo os choros compulsivos, os surtos,
As capas arrancadas, os remédios que ela escondia,
Mas também as risadas compartilhadas,
Os abraços apertados, os olhares e as alegrias;

E, em meio à tormenta, encontrávamos beleza,
Na fragilidade da mente, na resiliência do amor,
E, mesmo quando o mundo parecia desabar,
Eu entendia sua complexidade, através do olhar.

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