Nada a ver com “má índole” de alguns: a corrupção no Brasil é sistêmica, estrutural, larvar, fruto da histórica perda de fronteira entre o público e o privado. A cultura da corrupção resiste no patrimonialismo, no clientelismo e no compadrio. Modernamente, ela se expande, voraz, sob nomes de fantasia como “privataria”, “mensalão”, “trensalão”, “petrolão”.
As empreiteiras agora investigadas na Operação Lava Jato são a mola mestra de um modelo de desenvolvimento econômico baseado em grandes obras – desde a ditadura, aliás. Elas também financiam o sistema político dominante. Já se apurou que seus executivos mantinham reuniões periódicas para azeitar o cartel que controla, em contratos, megainvestimentos estatais (da União, Estados e municípios maiores).
Nas Eleições de 2014, essas construtoras doaram pelo menos R$ 218 milhões para seus candidatos. Os ditos principais postulantes à Presidência da República também receberam polpudas somas do clube corruptor. Dever de gratidão: afinal, o faturamento das empreiteiras no ano passado foi de R$ 33 bilhões – quase metade vindo de contratos públicos.
Como foi noticiado em relatório da Polícia Federal da última fase da Operação Lava Jato “a apuração coloca em xeque até os repasses legais feitos pelas empreiteiras às campanhas eleitorais – o “caixa um”. As doações legalmente registradas podem indicar uma forma estruturada de lavagem de dinheiro, diz a PF. Na disputa deste ano, todas as siglas que elegeram representantes para o Congresso, com exceção do PSOL, tiveram candidatos ou diretórios financiados pelas empresas mencionadas.”
É o interesse privado colonizando a política. Como sabemos, quem contrata o DJ escolhe a trilha sonora da festa. Para a inevitável CPI da próxima Legislatura, é imperativo que não se indique ninguém que tenha sido eleito com financiamento do consórcio que “propinou” na Petrobras, por claro conflito de interesses.
Seria profilático conhecer logo quem são os parlamentares citados nas investigações. Não para condená-los sem defesa, mas para que, por cautela, eles não venham a ser eleitos para as mesas diretoras do Senado e da Câmara, em fevereiro, caso se candidatem. Essa revelação de interesse público está nas mãos do STF: o ministro Teori Zavascki é o relator do caso.
No STF também está pendente a decisão sobre o fim do financiamento empresarial de campanhas, cuja votação o ministro Gilmar Mendes impede que se conclua. O seu colega Luis Roberto Barroso, na outra ponta, é contundente: “Se não mudarmos o sistema político, sobretudo para baratear o processo eleitoral, o financiamento de campanhas continuará por trás de todos os escândalos do país. Não sairemos do pântano. A centralidade do dinheiro nos roubou o idealismo e o senso de patriotismo.”
Há razões criminais e penais para a investigação dos gravíssimos desmandos propineiros. O financiamento interessado de todos os grandes partidos pelo poder econômico cristaliza a privatização máxima na escolha dos agentes públicos, cada vez mais desacreditados.
Mas é preciso evitar que esses imprescindíveis questionamentos levem à desconstituição da política propriamente dita. Ela, a política, é o único caminho para a resistência à mercantilização da vida, à hegemonia do capitalismo predatório e à captura do Estado pelos interesses particulares.
Além de encarcerar os ladrões do dinheiro público e banir da vida política os corruptos, responsabilizando também seus partidos, é urgente mudar profundamente o sistema plutocrático que nos rege. Há propostas muito alentadoras – como a Iniciativa Popular de Lei, liderada pela OAB e CNBB – que democratizam nossa ordem política. Elas dependem, porém, da mobilização cidadã. Reforma Política substantiva só com participação popular!
Chico Alencar