Flávia Junqueira
Com preço 40% maior que o de outra concorrente, uma empresa do Rio foi a vencedora de uma licitação realizada pelo plano de saúde do Correios para o fornecimento de placas, brocas e parafusos que seriam usados numa cirurgia de correção de ossos da face de uma funcionária da estatal. Esta não é a primeira suspeita de fraude envolvendo a operação da paciente.
A primeira foi descoberta pela auditoria interna do Correios, em 2013, quando o material solicitado por um cirurgião foi cotado em R$ 384 mil. No ano seguinte, a estatal mudou a administração do seu plano de saúde, com a promessa de maior controle e transparência. O cirurgião também foi substituído, mas as fraudes permanecem. E a paciente segue sem o tratamento de que precisa para se livrar das dores na face.
Documentos a que o EXTRA teve acesso mostram que a cotação realizada por empresa terceirizada pelo Postal Saúde, a PrevService, em setembro do ano passado, foi marcada por fatos inusitados. O fornecedor que venceu a licitação, Real Surgycal, não foi o que enviou a menor cotação. E o mais surpreendente: ele se autosuperfaturou. Primeiro, a Real Surgycal envia cotação no valor de R$ 47.644. Mas a ordem de fornecimento emitida pelo portal de licitação é dada para essa mesma empresa com o valor de R$ 64.099,20 — 34,5% a mais. Uma outra empresa que participou do processo enviou cotação de R$ 60.089,06 — 6,6% mais barato. Um terceiro fornecedor registrou que poderia vender o material por R$ 45.850 — valor 40% menor do que o da Real Surgycal. Numa imagem de tela de computador com o resultado da licitação no portal da PrevService, pode-se ler que o administrador liberou a compra para o “fornecedor de menor valor”.
— As empresas sérias estão evitando enviar cotação para o Postal Saúde — denuncia um empresário do setor que pediu anonimato.
Outro, cuja empresa está mudando de ramo, é taxativo:
— Antes de começarem as denúncias, comprávamos um parafuso a R$ 10 e vendíamos por R$ 800. Hoje, compramos a R$ 15 e vendemos a R$ 600. Que outro negócio tem margem de lucro como essa? Cocaína? A questão é que o lucro precisa ser repartido para você se manter no mercado — diz o empresário, referindo-se a cirurgiões, funcionários envolvidos em licitações e hospitais.
Funcionário espera cirurgia há três anos
As suspeitas de fraudes nas licitações paralisam as cirurgias e prejudicam funcionários do Correios. Há três anos e quatro meses, o ex-carteiro motociclista Aluísio José Rodrigues, de 47 anos, espera pela operação que o possibilitará voltar a abrir a boca. Em dezembro de 2013, o EXTRA revelou que a cirurgia dele era considerada realizada pelo Correios, que autorizou o pagamento ao Hospital Espanhol, no valor de R$ 502 mil. A cirurgia fantasma só não foi paga porque um funcionário da estatal percebeu a fraude.
— Mudei de cirurgião, hospital e, ontem (quinta-feira) finalmente a cirurgia foi autorizada. Na terça-feira, vou ao médico para marcar a operação — diz Aluísio.
No último dia 29, o EXTRA mostrou que o Núcleo de Repressão a Crimes Postais, da Polícia Federal, instaurou inquérito para apurar suspeitas de fraudes na nova administração do plano de saúde do Correios. Em depoimento, o administrador da Postal Saúde, Pedro de Almeida Feijó, relata que levou para deliberação da diretoria do plano, em novembro, a proposta de rescisão do contrato com a PrevService, por “indícios de irregularidade”.
— O Correios me encaminhou essa paciente, assim como o Aluísio. Há anos, eles tentam ser operados. Um outro cirurgião disse a essa paciente que era necessário implantar próteses. A perícia do Correios e eu achamos que não havia necessidade e que a operação deve ser feita em dois momentos. Primeiro, implantaríamos placas e parafusos. Depois avaliaríamos se as próteses seriam necessárias, já que é uma operação irreversível. Essa segunda cotação, realizada em setembro, não incluiu as próteses. Podemos indicar três empresas para a licitação, que é aberta a outros fornecedores também. A empresa que venceu não foi indicada por mim e também não fui procurado por ninguém do portal PrevService para falar sobre essa licitação — relata o cirurgião, que prefere se manter no anonimato.
O especialista em dor orofacial e disfunção temporo-mandibular afirma que a cirurgia não foi realizada por dois motivos: a licitação do material estaria sendo investigada e o hospital que ele indicou no pedido se descredenciou do Postal Saúde no último dia 3.
Respostas
– Apesar de a PrevService ter emitido ordem de fornecimento e de o administrador do portal ter informado que o processo estava “negociado e liberado para o fornecedor de menor valor”, a prestadora de serviços do Postal Saúde alega que a cotação não foi concluída, “uma vez que o procedimento cirúrgico pretendido não foi realizado”.
– A PrevService divulgou uma lista de empresas que enviaram cotação para a licitação. Nela, não constam pelo menos três fornecedores cujas cotações o EXTRA teve acesso. Dois deles enviaram valores abaixo do autorizado. “
– Em nota, a PrevService afirma ainda que “a escolha do fornecedor/ordem de compra são emitidas pela Postal Saúde, ou seja, decisão da compra e efetivação/realização da compra é da Postal Saúde”,
– A Postal Saúde informou, em nota, que a denúncia da existência de cotações com valor abaixo do que foi autorizado é do conhecimento da Polícia Federal. Por isso, seu contrato com a PrevService se encontra em aviso prévio, com rescisão prevista para 20/04/2016. “O princípio que norteia a aquisição realizada pelos portais de compra de OPME (órteses, próteses e materiais especiais) é o de “menor valor”. A Postal Saúde, apesar de ser uma empresa privada sem fins lucrativos, segue rigidamente os princípios da administração pública, como moralidade, impessoalidade, legalidade e probidade. Ressaltamos, porém, que os fornecedores e/ou distribuidores atuam em mercados/regiões definidas, de tal forma que, as cotações e compras de OPME seguem esta mesma lógica”, diz o texto.
– O representante da Real Surgycal não retornou as ligações do EXTRA.