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Enquanto enriquecem, mercados empobrecem o campo

Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil

As grandes redes de supermercados também são responsáveis pela pobreza e pelas condições precárias de trabalho na cadeia de fornecedores de alimentos, onde estão trabalhadores rurais e pequenos e médios agricultores. É o que revela o relatório Hora de Mudar – Desigualdade e sofrimento humano nas cadeias de fornecimento dos supermercados, lançado nesta quinta (21) pela organização não governamental Oxfam.

De acordo com o relatório, a concentração do mercado global de alimentos acaba “espremendo” as cadeias de fornecimento pelo menor valor dos seus produtos, restando aos trabalhadores e produtores uma renda insuficiente para uma vida digna, trabalho análogo à escravidão e perda de suas terras. Enquanto os supermercados ficam com uma parcela cada vez maior do que é gasto em suas lojas, em alguns casos, cerca de 50%, a parcela que fica com trabalhadores e produtores rurais pode ser menos de 5%.

“O resultado é o sofrimento humano generalizado entre mulheres e homens que produzem alimentos para supermercados em todo o mundo. Do trabalho forçado a bordo de navios de pesca no Sudeste Asiático, passando pelos salários miseráveis nas plantações de chá indianas, até a fome enfrentada por trabalhadores das fazendas de uva na África do Sul, o desrespeito aos direitos humanos e trabalhistas é muito comum nas cadeias de fornecimento alimentar”, diz o relatório.

A consultoria de pesquisa Bureau for the Appraisal of Social Impacts for Citizen Information, contratada pela organização, estudou a cadeia de 12 produtos de países em desenvolvimento que são vendidos nos supermercados europeus e norte-americanos: suco de laranja (Brasil), café (Colômbia), chá (Índia), cacau (Costa do Marfim), banana (Equador), uva (África do Sul), vagem (Quênia), tomate (Marrocos), abacate (Peru), arroz (Tailândia), camarão (Indonésia, Tailândia e Vietnã) e atum (Indonésia, Tailândia e Vietnã).

O Brasil foi um dos países incluídos no levantamento feito pela Oxfam. Segundo a organização, atualmente, um em cada quatro copos de suco de laranja consumidos no mundo vem do Brasil. O preço do produto aumentou mais de 50% nos supermercados americanos e europeus desde a década de 1990. No entanto, o valor pago a pequenos produtores e trabalhadores rurais no Brasil chega a apenas 4% do valor de venda final.

Para alguns produtos, como o chá indiano ou a vagem queniana, a renda média dos produtores é menos da metade do que seria considerado ideal para assegurar uma vida digna. No caso do Brasil, a renda de trabalhadores e pequenos agricultores que fornecem laranja é de 61% e 58% do que seria necessário para um padrão de vida decente.

Enquanto isso, as oito maiores cadeias de supermercados de capital aberto geraram quase US$ 1 trilhão em vendas, US$ 22 bilhões em lucros e US$ 15 bilhões em dividendos a seus acionistas em 2016. Apenas 10% do que os três maiores supermercados dos Estados Unidos pagaram a seus acionistas em 2016 seria o suficiente para pagar um salário digno a 600 mil trabalhadores que atuam no processamento de camarão na Tailândia.

Mulheres – Segundo o estudo, as mulheres arcam com o fardo mais pesado, 90% das entrevistadas que trabalham no cultivo de uva na África do Sul afirmaram não terem tido o suficiente para comer no mês anterior. Segundo a Oxfam, a diferença entre uma renda mínima para se viver com dignidade e a renda recebida efetivamente é maior onde as mulheres são a maior parte da força de trabalho.

“Seja em pequenas propriedades familiares ou entre trabalhadores, normas de gênero profundamente arraigadas fazem com que o impacto seja mais grave para as mulheres: elas não têm direito de possuir terras, têm menos probabilidade de contar com representação sindical, assumem a maioria dos trabalhos de cuidado não remunerados, são discriminadas com relação a remuneração e progressão para funções superiores, e sofrem ameaças de assédio e violência sexuais”, diz o relatório.

A queda nos preços de exportação de vários produtos no longo prazo, 70% no caso do suco brasileiro, também ajudou a reduzir os preços pagos aos pequenos agricultores e produtores a pouco mais que o custo de produção. Como resultado, eles saem das cadeias internacionais de fornecimento e podem ser forçados a trabalhar nas grandes plantações da indústria alimentícia. No Brasil, o número de fazendas do setor de produção de suco de laranja diminuiu de 28 mil para menos de 10 mil nas duas últimas décadas.

Por outro lado, para a Oxfam, à medida que vão concentrando o mercado, as cadeias varejistas podem encontrar soluções para acabar com as desigualdades sociais e melhorar as condições de trabalho e a remuneração desses trabalhadores. No caso do Brasil, de acordo com a Oxfam, três grandes redes de supermercados concentram 46% do setor.

Por meio de políticas inclusivas, com seu poder de compra e influência, elas podem exigir dos seus fornecedores, por exemplo, que acabem com os empregos informais e o trabalho escravo no campo, além de garantir que agricultores e produtores recebam uma parcela mais justa do que é pago pelos consumidores no varejo.

De acordo com o levantamento, no caso de muitos produtos, o investimento necessário para levar a renda ou os salários atuais a níveis dignos é ínfimo em comparação com o preço ao consumidor final. Devolver 1% ou 2% do preço do varejo aos fornecedores poderia mudar a vida de muitas pessoas que produzem alimentos. No caso do suco de laranja, cerca de 3,1% do valor pago pelo consumidor no supermercado já garantiria uma renda digna a pequenos agricultores.

O relatório diz que talvez os preços ao consumidor não precisem aumentar para alcançar esse investimento a mais. Em cada um desses 12 produtos, o investimento extra que os atores da cadeia de fornecimento precisariam fazer é muito menor do que o aumento que os supermercados tiveram em sua fatia do preço ao consumidor final nos últimos 10 a 15 anos.

O relatório da Oxfam sobre a cesta de 12 produtos sugere ainda que, em países onde os governos intervieram e estabeleceram preços mínimos para as commodities agrícolas, os pequenos agricultores recebem uma fatia do preço final ao consumidor que é cerca de duas vezes maior do que a dos agricultores que não recebem esse apoio.

O documento é a base de uma nova campanha global da organização para denunciar a exploração econômica e cobrar mudanças na distribuição dos ganhos deste segmento, para melhorar a remuneração dos trabalhadores rurais e pequenos produtores, as condições de trabalho e a desigualdade de gênero na cadeia de fornecedores de alimentos na América Latina, África e Ásia.

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