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Enredo do golpe pode virar filme do espírito de Mojica

Enquanto aguarda a canetada final de Xandão de Moraes, o mito da horta de dona Maria continua chorando a frustrada tentativa de golpear a nação. Chora, esperneia, tenta fugir, mas, no fundo da alma, ele provou para si mesmo que dar golpe não é tarefa para amadores. Na terra dos golpistas da internet e dos punguistas de braguilha, um golpe de Estado é elaborado na alcova, amplamente discutido em reunião de condôminos e, se possível, minimamente negociado com o lado a ser atingido. Pensaram assim e se perderam antes mesmo de o bloco chegar à praça. Foram dias, semanas, meses discutindo o sexo dos anjos. O resultado não poderia ser outro.

O amadorismo dos intelectuais de frente acabou por gerar uma obrada mal dada, daquelas que, além de cheirar mal, só servem para produzir provas contra o grupo de cagões. Que fique claro que o termo não é nenhuma alusão ao recente disse me disse entre generais. O fato é que perceber que não são do ramo com o bloco (o golpe) na rua é assinar o próprio óbito. Descobriram muito tarde que não foram feitos para administrar senzalas ou casas de saliência do tipo entra e sai. No máximo, bordéis de senhoras ausentes do mercado há décadas, casinhas de bonecas ou, na melhor das hipóteses, quartéis de puliça sem os devidos puliças. A coisa desandou por conta da ausência de um membro com mentalidade mediana para se insurgir contra devaneios infantis.

Aí, o bicho pode pegar, como pegou. O efeito retardado do diurético tomado antes de a fita ser divulgada pela Polícia Federal causou desmaios vergonhosos e incontinências mijatórias públicas impensadas. Bem trabalhado, o enredo do motim tupiniquim deve servir de mote para um futuro filme do espírito de José Mojica. Como alguém que, após ser acusado de maquinar um golpe de Estado durante quase todo o mandato presidencial, resolve convocar os “parças” do levante para um “ato pacífico” em defesa do Estado Democrático de Direito. Que me perdoem os bons de cabeça, mas não foi coisa de gente sã. No mínimo, é desdizer o que disse. E está gravado.

Sem lenço e sem documento, pior foi tentar um pouso ou um ninho em uma embaixada “amiga”. Ou é realmente lunático ou imagina lunáticos todos os brasileiros que um dia comandou. Leigo em questões futurísticas, prefiro fazer coro àqueles que têm certeza de que o calabouço do mito está fechado para balanço, isto é, não passa nem sinal de wifi. Acuado pela Polícia Federal, sem passaporte e cada vez mais emparedado pelo ministro Alexandre de Moraes, o moço dos gritos que ninguém mais ouve começa a atirar contra os próprios pés ou na cara dos que teimam em segurar seus testículos com luva perfumada de enxofre.

O mundo inteiro sabe que o efeito prático do esperneio bolsonarista será zero. Não há mais nada que possa ser feito para amenizar o calvário do mito do jet ski. Nem mesmo as falsas orações de Silas Malafaia irão alterar o caminho da forca. Resta aos bolsonaristas o caminho da incitação, que é crime. Dito isto, como os ânimos estão acima do permitido, obviamente que uma nova procissão ecumenicamente diabólica a favor do cidadão certamente vai sair do controle. O desfecho pode ser a prisão em flagrante delito do sujeito oculto. Ocorrendo o descontrole não haverá como o mito fugir da responsabilidade, como fez com a reunião golpista de julho.

Lembremos que, com a cara de pau de sempre, Jair culpou o general Heleno pelo desrespeito democrático da constrangedora reunião ministerial, convocada exclusivamente para alinhavar detalhes sobre o golpe que não veio. Em tese, na reunião de julho os generais Heleno e Braga Neto cumpriam determinação do então chefe supremo das Forças Armadas. Entretanto, como militares superiores deveriam tentar dissuadir a estupidez do mandatário mandão. Não o fizeram e, portanto, terão de enfrentar as barras dos tribunais. Mais perdidos do que o cachorro que caiu do caminhão de mudança, os representantes da direita misógina, homofóbica, racista, arrogante e prepotente aguardam apenas a extrema unção. Sou de opinião que a demora da prisão é até benéfica, de modo que ele tenha o desprazer de saber o quanto isso desespera.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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