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Ensaio sobre o racismo e a construção do mito do homem inferior

Desde os primórdios da construção da sociedade, as pessoas foram divididas em grupos dispostos em uma hierarquia. Os níveis superiores sempre desfrutaram de privilégios e poder, enquanto os inferiores sofreram discriminação e/ou opressão.

O Código de Hamurabi, talvez o conjunto de leis mais antigo, estabelecia uma ordem hierárquica composta por homens superiores, homens comuns e escravos. As boas coisas da vida ficavam com os superiores, os comuns ficavam com o que sobrava e os escravos, com os trabalhos e punições.

Nos tempos mais modernos, a Declaração de Independência dos Estados Unidos criou uma hierarquia em que as mulheres não possuíam qualquer tipo de voz ativa, e os homens brancos desfrutavam de poder e autoridade. Negros e indígenas, considerados inferiores, não compartilhavam dos direitos de igualdade. Portanto, não foram libertados, pois, na visão dos dominantes, os direitos dos homens pouco tinham a ver com os negros.

Os Mitos
Os mitos utilizados para justificar a escravidão baseiam-se em ficções. Por exemplo, os que defendiam a escravidão como natural e correta argumentavam que a escravidão não era uma invenção humana. Hamurabi a via como algo ordenado por Deus. Aristóteles afirmou que os escravos tinham uma “natureza escrava”, enquanto os homens livres tinham uma “natureza livre”.

Se perguntarmos a um defensor da supremacia racial o que ele acha sobre pessoas de outras raças, devemos nos preparar para ouvir uma palestra pseudocientífica sobre as diferenças biológicas entre elas. Provavelmente, dirá que os brancos caucasianos possuem genes que os tornam mais inteligentes, trabalhadores e virtuosos.

Os hindus dividiram-se em castas, que teriam sido criadas a partir de um ser primitivo: Purusha. Boca, braços, coxas e pernas teriam dado origem a cada casta. Logicamente, os brâmanes, que teriam sido criados da boca de Purusha, pertencem à casta superior. Apenas mais um mito forjado pela imaginação humana para justificar uma pretensa superioridade de alguns indivíduos sobre outros.

A Verdade Social
A verdade é que as sociedades, em todas as épocas, imaginaram e estabeleceram ordens hierárquicas, classificando a população em categorias fictícias, como homens superiores, brancos e negros, brâmanes e sudras, ricos e pobres, regulamentando as relações entre milhões de seres humanos.

A história nos mostra que mitos religiosos e pseudocientíficos foram utilizados para justificar a escravidão e, consequentemente, o racismo. Teólogos afirmaram que os africanos descendiam de Cam, filho de Noé, amaldiçoado por seu pai, que disse que os filhos dele seriam escravos. Biólogos afirmaram que os negros eram menos inteligentes que os brancos e que possuíam um senso moral menos desenvolvido. Médicos afirmaram que os negros viviam na sujeira e disseminavam doenças, sendo, portanto, fontes de contaminação.

Esses mitos repercutiram nas sociedades, fazendo com que brancos, e até mesmo negros, acreditassem que os negros eram menos inteligentes, mais violentos, libertinos sexuais, mais preguiçosos e menos dedicados à higiene pessoal. Dessa forma, estariam mais propensos a roubos, estupros e doenças. Esses mitos acabaram por se tornar estigmas, rotulando os negros como preguiçosos, pouco confiáveis, pouco inteligentes e sujos.

Podemos pensar que, pouco a pouco, as pessoas entenderiam que esses estigmas eram mitos, e não fatos, e que, com o tempo, os negros conseguiriam provar sua verdadeira natureza. Porém, aconteceu o oposto: durante muito tempo, os preconceitos ficaram cada vez mais arraigados.

Exemplificando: os brancos sempre tinham os melhores empregos. Então, se o negro não conseguia um bom emprego, era porque sua competência era realmente inferior. Afinal, eles já eram livres há muito tempo. Isso se tornou um ciclo vicioso: “Por que vou contratar alguém que é inferior, que não mostrou sua competência? Se o negro é menos inteligente, deve executar apenas trabalhos braçais. Os trabalhos administrativos devem continuar apenas com os brancos.”

O Círculo Vicioso
Mas o círculo vicioso não termina aí. Ele se fortaleceu e foi transformado em um conjunto de leis, como o “Apartheid” e as “Leis Jim Crow”, criadas para proteger a ordem social. Em alguns países, os negros foram proibidos de votar, estudar, frequentar, comprar, comer e dormir em locais destinados aos brancos. No Brasil, durante muito tempo, o negro era proibido de usar o mesmo elevador que os brancos.

A cultura estética foi construída sobre padrões brancos de beleza. Os atributos da raça branca (pele clara, cabelos lisos e claros, nariz pequeno, etc.) eram considerados bonitos e perfeitos. Na contramão, atributos negros (cabelos crespos, lábios carnudos, nariz achatado, etc.) eram considerados feios. A sociedade dominante determina o padrão de beleza.

Não esqueçamos que a tendência da discriminação é piorar com o tempo, e não melhorar. Dinheiro gera dinheiro, e pobreza gera pobreza. Mas educação gera educação, e com ela podemos quebrar os estigmas.

Se a divisão entre negros e brancos fosse fundada em realidades biológicas, a biologia seria suficiente para entendermos a sociedade humana. Como as distinções biológicas entre diferentes grupos de humanos são desprezíveis, a biologia não é capaz de explicar as complexidades das nossas sociedades. Entenderemos esses fenômenos estudando os acontecimentos, as circunstâncias e as relações de poder que transformaram produtos da imaginação em estruturas sociais cruéis e reais. E, talvez, assim consigamos deixar para trás definitivamente os mitos sociais.

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