As semanas de moda em Nova York, Paris e Milão costumam ser uma experiência surreal, repletas de fantasia, egos inflados e saltos altíssimos. Mas na semana passada, às vésperas da Arab Fashion Week em Riad, o pano de fundo era diferente: ameaça de tempestades de areia e temporais, mísseis lançados por rebeldes Houthi no Iêmen atravessavam os céus.
Isso, junto com uma muita confusão logística, significando que a semana de moda, outro exemplo das mudanças econômicas e sociais que vêm arrebatando um dos países mais conservadores do mundo, não fluiria com tanta tranquilidade como se planejava.
A primeira semana de moda realizada na Arábia Saudita, disse Marriam Mossalli, consultora de luxo em Jeddah, “é uma enorme oportunidade de mudar o desconhecimento dos estrangeiros sobre as mulheres sauditas, como elas se vestem. As mulheres esperam há anos o momento em que poderão brilhar”. E isto, por pouco, não ocorreu, mas não por razões que você imaginaria.
Cinco meses de planejamento, e organizada pelo Arab Fashion Council, a semana de moda de Riad originalmente começaria em 25 de março. Foi adiada depois que um número enorme de jornalistas, compradores e modelos estrangeiros não conseguiram em tempo os vistos de entrada no país.
Três semanas depois foi inaugurada, com 16 desfiles marcados, e a presença de estilistas como Jean Paul Gaultier e Roberto Cavalli, além de pessoas presentes ao evento que vieram do mundo todo.
Mas, na noite de quarta, 11, 45 minutos antes de a primeiro modelo entrar na passarela, as telas dos celulares das dezenas de mulheres elegantes, com suas abayas, no lobby do Ritz-Carlton Hotel, começaram a piscar.
Para sua frustração, o evento foi adiado novamente por mais 24 horas, de acordo com o comunicado feito pelos organizadores por meio do WhatsApp, porque a tenda do show, no enorme terreno do hotel, aparentemente não havia sido concluída e não havia segurança por causa do mau tempo.
Desespero entre os estilistas locais e aqueles de países como Líbano, Egito e Itália, que viajaram para mostrar suas coleções. Alguns convidados, muitos vieram de avião para a noite de abertura, ficaram perplexos com a notícia.
As vendas de ingressos para mulheres em Riad foram baixas, talvez porque o marketing local foi muito fraco. Algumas marcas se retiraram do evento diante da falta de comunicação, o que deve também ter afetado as vendas.
“Os organizadores têm de dar informação, e contar a verdade”, disse Marriam Mossalli. “Estão enviando a mensagem errada num momento importante para nós e isso é decepcionante diante de todo o talento de moda que temos reunido aqui esta semana”, disse a consultora.
O plano de realizar uma primeira semana de moda na Arábia Saudita, algo impensável há dois anos, surgiu numa época de reformas econômicas e sociais no país conduzidas pelo Príncipe da Coroa Mohammed Bin Salman, o governante de fato do reino. Inspirado pelos sucessos (e fracassos) dos seus vizinhos do Golfo, como Dubai, a Arábia Saudita tenta deixar de ser tão dependente do gás e do petróleo se reposicionando como um local dinâmico para negócios, entretenimento e lazer – e para investimentos e visitantes estrangeiros.
O Príncipe vem abrandando rapidamente as antigas e rigorosas restrições sociais. Concertos públicos vêm sendo realizados, proibições como a de frequentar cinemas foram eliminadas e as mulheres hoje têm permissão de conduzir seu carro.
Mas elas ainda têm de obedecer às chamadas leis de guarda, que dão aos parentes homens o poder de decidir sobre sua vida cotidiana. Em uma entrevista ao programa 60 Minutos, em março, o Príncipe afirmou que as mulheres devem ter o poder de escolher o que vestem em público, desde que seja uma roupa “decente” e “respeitosa”.
O setor de moda ainda incipiente no país também chama atenção. Embora haja estilistas no país (e mesmo desfiles de moda, mas a portas fechadas e em residências particulares), muitas marcas têm dificuldade para encontrar materiais, uma equipe de estúdio e locais de produção em escala, preferindo mostrar seu trabalho em outros países.
Um pilar da sua Vision 2030, projeto do príncipe para o futuro da Arábia Saudita, é a ajuda a pequenas e médias empresas, particularmente aquelas de propriedade de mulheres. Um passo importante foi a criação da General Authority for Small and Medium Enterprises em 2015, cujo objetivo é aumentar a contribuição dessas empresas, que incluem as do setor de moda, na economia, de 500 bilhões de Riyals em 2014, para dois trilhões em 2030.
Arwa Al-Banawi, designer saudita que reside em Dubai e apresentou uma coleção contemporânea de roupas sob medida com muitas referências beduínas, disse acreditar que a semana de moda saudita é mais um passo na direção do empoderamento das mulheres no país.
“É muito importante para nós termos nossa própria semana de moda. Sempre mostrei meu trabalho em Dubai ou Paris, mas sendo saudita eu desejava fazer parte deste momento. Claro que foi o evento mais difícil do qual já participei, mas é a única maneira de avançar é não retroceder. Da próxima vez será melhor”, disse ela.
Quando os desfiles realmente começaram, a determinação, a seriedade e a ambição das muitas marcas jovens em Riad eram nítidas, apesar dos muitos desafios. Uma enorme tenda para 1.500 pessoas foi erigida, com uma passarela com uma tela de vídeo que ia do chão ao teto com propaganda de concertos e carros BMW (com belas modelos em abayas ao volante). Trilhas de John Legend e Ed Sheeram era tocadas com o tradicional oud (instrumento similar ao alaúde) árabe.
Os estilistas homens não tinham permissão de ficar nos bastidores antes dos seus desfiles. Havia uma proibição da mídia social rigorosa, daí a ausência de figuras influentes no campo da moda, assim como de homens editores, visitantes ou fotógrafos, embora algumas mulheres fotógrafas tenham tido acesso. Jacob Abrian, diretor executivo do Arab Fashion Council que participou do coquetel para a mídia na véspera do evento, disse ter sido a primeira semana de moda que organizou e não teve autorização para assistir em pessoa.
O que deu ao público feminino na plateia a chance de tirar suas abayas, embora poucas o tenham feito. Na passarela, vestidos borbulhantes em tons claros de estilistas libaneses como Tony Ward e Naja Saade; designs avant-garde todos em preto de Bibisara, do Casaquistão; uma coleção de abayas da Maison Alexandrine do Brasil; e o glamour sofisticado de Jean Paul Gaultier.
Viu-se pouco do que se tornou conhecida como moda “modesta” – modelos elegantes, mas conservadores, quase sempre com mangas longas e comprimento até o tornozelo. “Ou usamos nossa abaya ou modelos ocidentais de nossa escolha com base nela. Não existe ainda algo intermediário aqui, como em outros países islâmicos”, disse Marriam Mossalli. “À medida que continuam as mudanças, a moda modesta será um enorme mercado em crescimento”.
O diretor do evento disse que “o estresse das últimas semanas acabou”, quando os desfiles finalmente começaram. “Sinto-me agora tranqüilo e já comecei os preparativos para outubro. Posso ir para casa e assistir um pouco de TV”. Ele se disse orgulhoso das marcas internacionais que vieram à Arábia Saudita e que elas puderam ver as oportunidades que estão surgindo ali.
“Tomara que seja tudo mais tranquilo de agora em diante, esta foi minha primeira criança”, disse ele, bebericando seu café. “Houve importantes falhas, mas os nossos parceiros, o governo e os designers estão todos empenhados. Esta é uma janela para o futuro da Arábia Saudita”, disse ele.