Um dia desses, entre mudanças de endereço e na vida, recebi uma mensagem do poeta Daniel Marchi me dizendo: “Ceci, descobri uma poeta sensacional, tenho certeza que você vai adorar.” Foi então que conheci Sarah Munck Vieira, essa mineira de Juiz de Fora, professora no Instituto Federal do Sudeste de Minas, com uma lira tão cheia de intensidade e significado. Logo compreendi o entusiasmo com que meu colega em Notibras me apresentava sua descoberta. Ler Sarah Munck Viera não é apenas estar em contato com uma novidade literária. Sarah é um evento na vida.
Além de poeta, Sarah é ensaísta, com forte influência de escritoras como Gabriela Mistral, Alfonsina Storni, Silvana Ocampo, Sara Gallardo, Teresa de la Parra, Idea Vilariño, Magda Portal, Solano Trindade, Josefina Plá, Concha Méndez, Hilda Hilst, Orides Fontela e Lygia Fagundes Telles, com quem assume ter experiência visceral.
Seus poemas têm muitas camadas, que vão sendo descobertas a cada leitura, e falam dentro da cabeça e do coração da gente num ritmo tranquilo, mas profundo. Como já comentei aqui em Notibras com os leitores, não me sinto tão habilitada à crítica literária, mas, leitora ávida que sou, especialmente de boa poesia, não tenho como ficar indiferente a tal evento.
Fiquei curiosa sobre a persona da autora e, atendendo à missão confiada pelos editores, procurei entrevistá-la. Neste processo, finalmente consegui pôr as mãos em “O Diagnóstico do Espelho”, seu livro físico de estreia, lançado pela Editora Mondru, que acaba de se tornar uma das minhas mais felizes leituras do ano.
Assim, tive a oportunidade de fazer algumas questões à autora e apresento a seguir os melhores trechos de nossa conversa, para que os leitores de Notibras também tenham a oportunidade de conhecer essa nova voz da literatura nacional, que quer ser lembrada como uma mulher que busca compreender o mundo e tudo o que a cerca por meio da palavra, especialmente da escrita. Sarah, que tem projeto para um novo livro de poesia para o próximo ano, também pode ser acompanhada por meio de seus textos publicados no Substack @sarahmunck.
Como surgiu a escritora Sarah Munck? O aparecimento da escritora está ligado à opção pela faculdade de Letras e pela carreira docente?
Ao olhar para trás, percebo que a poeta nasceu quando escrevi meu primeiro poema em uma atividade proposta no Ensino Fundamental I. Considero essa a primeira vez em que externalizei o que observava no mundo por meio dos versos. Durante muitos anos, a poesia esteve presente em minhas leituras e em meus cadernos. A faculdade de Letras foi essencial para o meu reconhecimento como escritora e para a compreensão de que já era hora de tornar público o que eu fazia a sós. No entanto, não se engane: esse também foi um caminho longo a percorrer. Assim, a carreira docente contribuiu (e ainda contribui) para meu encontro com o outro. Nessa jornada, incluo a escuta ativa, pois acredito que a escrita literária passa pela alteridade.
Desejaria ser mais reconhecida como poeta ou como ensaísta?
Essa é uma temática interessante: até que ponto nós, mulheres, somos realmente ouvidas? Claro que já foram conquistados muitos avanços na luta pela igualdade de direitos e pela equidade. No entanto, ainda assim, é preciso sempre nos perguntar: nossas ideias são consideradas e acolhidas ou somos apenas atravessadas por determinados protocolos ou falsos agenciamentos? Almejo que me reconheçam como alguém que foi intensamente capturada pelo ser poético. Exatamente esse ser e estar no mundo por meio do qual o verbo nos faz carne e nos regenera em ossos, tendões e expiração. O que vier depois dessa sequência fundadora, será como estar em casa.
Tanto na poesia quanto na prosa, você escreve para os leitores, para que eles reflitam, ou escreve porque quer colocar para fora algo que está dentro de você? Você tem um processo/rotina de escrita? É inspiração ou é sentar-se e escrever? Quem é seu primeiro leitor?
Tanto na poesia quanto na prosa, escrevo para me comunicar. Nessa dinâmica, existe a instância intimista, por meio da qual busco assimilar o mundo e seus tempos, e há o aspecto da reflexão, que gera diálogo e construção coletiva. Esses momentos não estão separados; acredito que se complementam e se fundem. O que eu quero dizer é que sempre escrevo sobre questões que me tocam profundamente. Consequentemente, uma vez publicado, o texto encontrará novos lugares para habitar. Meu processo de escrita começa na leitura. Não creio que uma ação exista sem a outra. Escrevo poesia e leio poesia rotineiramente. O mesmo vale para a prosa. Antes de tudo, precisamos nos tornar leitoras e leitores. E não devemos nos limitar a ler apenas aquilo que, aparentemente, se alinha com nossos gostos e preferências. Devemos simplesmente ler! Não acredito, portanto, no conceito de inspiração como algo que se separa do humano. Confio que a criação artística é um espaço que universaliza a experiência humana e, ao mesmo tempo, retrata questões sociopolíticas e culturais de seus contemporâneos. Dessa forma, escrever é como ir ao rio em busca de água (leitura) e retornar com baldes cheios que se esvaziam à medida que pequenos furos regam a terra (escrita). A rotina de escrita é, pois, um conglomerado de ações: leitura, diálogo, escuta, pausa e criação. E, nesse interim, há pessoas imprescindíveis em minha vida: minha filha e aqueles mais próximos que caminham comigo.
Antes de “Diagnóstico do Espelho” você escreveu um outro livro, “Digressões em Meia-Volta”, disponível apenas digitalmente. Quais as características marcantes dessa obra? Pretende editá-la fisicamente? Quem é Eva, a quem o livro é dedicado?
Digressões em Meia-Volta foi uma experimentação com a publicação digital e independente. Também foi a primeira vez que tornei pública a minha poesia. Reorganizei os poemas que havia publicado em 2022 nas redes sociais e criei o e-book. Uma das características intrínsecas à obra é seu caráter intimista, que promove uma divagação sobre o tempo e sobre o ser e estar no mundo enquanto mulher. Pode ser que, futuramente, o livro seja editado fisicamente; no entanto, não acredito que isso aconteça em um tempo próximo. Dediquei a obra à minha mãe e a todas as mulheres germinadoras de povos, lares e rincões.
Onde se situa, hoje, a poeta Sarah Munck? Nós estamos, na sua opinião, ante essa profusão de poetas nas redes sociais, por exemplo, em alguma fase da poesia?
Essa é uma pergunta interessante e complexa. Como agente da minha própria escrita, seria muito difícil me alocar em determinada fase específica da poesia brasileira. No entanto, posso afirmar que hoje me encontro em um fluxo contínuo e crítico de autoconhecimento, que me leva ao diálogo não apenas com meus antecessores, mas também com meus contemporâneos. Assim como acontece com várias escritoras e escritores independentes, quiçá desconhecidos, busco amadurecer minha escrita por meio da horizontalidade. Contudo, é importante sinalizar que nem sempre isso se concretiza, visto que, infelizmente, o mercado editorial e tudo o que o circunda – incluindo a estética do capital – é, muitas vezes, permeado pela capilaridade do poder.
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