Curta nossa página


Bahia

Entre poetas e poesias na velha e aconchegante livraria de Salvador

Publicado

Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Produção Irene Araújo

Aqueles dois se esbarraram pela primeira vez em uma livraria em Salvador. Júlio, rapazola dos seus 20 anos, folheava Manuel Bandeira. De tão absorvido com a leitura, não percebeu quando Maria Lúcia, mulher já passada dos 70, adentrou no recinto. Ela se dirigiu ao balcão e, voz firme, perguntou sobre novos poetas.

— Daniel Marchi. Conhece?

— Não. É italiano?

— Carioca, mas o sobrenome parece que é italiano.

— Hum! Interessante! Da minha terra.

— A senhora é italiana?

— Carioca.

O atendente entregou um exemplar de ‘A verdade nos seres’ para a cliente, que começou a manuseá-lo com bastante interesse. Foi aí que Júlio notou a presença da senhora, o que comprova a tese de que leitores são atraídos por outros leitores. Seus olhares se cruzaram e um inevitável e quase imperceptível sorriso surgiu nos lábios dos dois.

— Hum! Tá de Bandeira?

— Como?

— Manuel Bandeira.

— Ah, sim. Gosta?

— Muito.

— E a senhora?

— Marchi. Daniel Marchi. Conhece?

— Ouvi falar. É bom?

— Tô descobrindo agora.

— Então, depois a senhora me conta.

— Maria Lúcia. E você?

— Júlio.

No mês seguinte, aqueles leitores se encontraram novamente na mesma livraria. Ela estava na parte dedicada a novos autores, quando Júlio entrou. Ele buscava por Drummond, mas não descartava levar algo de Vinicius, se bem que andava encantado com Adélia Prado. Na dúvida, o rapaz acabou deixando o carioca de lado e levou um livro de Drummond e outro de Adélia.

— Hum! Adélia e Drummond são excelentes, Júlio.

— Sim. E o que você comprou?

— “O diagnóstico do espelho”, da Sarah Munck. Conhece?

— Hum… Parece que sim. Ela é mineira, né?

— Sim, de Juiz de Fora.

— Olha que coincidência, Maria Lúcia.

— O quê?

— Hoje decidimos pelos mineiros.

— É verdade.

Ao longo do ano, laços se formaram entre a velha e o jovem, como se idades não passassem de meras datações. É verdade que Maria Lúcia era mais vivida, mas Júlio tinha lá suas vivências próprias, muitas nem sonhadas pela amiga.

— Meus filhos, todos criados, que poderiam ser seus pais, não me dão tanto trabalho.

— Qual a idade deles?

— O mais novo está com 45.

— Idade da minha mãe. Papai já tem 52. E o seu marido?

— Ah, um chato.

— Hum…

— Marido dá muito trabalho, estou cansada, esgotada. o Augusto sempre teve uma mulher para escorar. Era a mãe, depois as irmãs, depois em mim.

— Espero não ser um estorvo pra minha esposa.

— É casado?

— Não, ainda não. Nem tenho namorada. Quer dizer, eu tinha, mas ela não quis mais.

— Amores vão e vêm.

— É verdade, Maria Lúcia.

Os dois amigos continuam frequentando a mesma livraria, seja em busca de novos autores, seja remexendo os antigos. Trocam confidências ou, então, tomam café enquanto leem uma poesia. E a vida segue, apesar da maioria parecer mais preocupada com as mensagens, todas urgentes, que chegam pelo celular.

………………………

Eduardo Martínez é autor do livro 57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’

Compre aqui 👇🏿

https://www.joanineditora.com.br/57-contos-e-cronicas-por-um-autor-muito-velho

Publicidade
Publicidade

Copyright ® 1999-2024 Notibras. Nosso conteúdo jornalístico é complementado pelos serviços da Agência Brasil, Agência Brasília, Agência Distrital, Agência UnB, assessorias de imprensa e colaboradores independentes.