Bartô Granja
Brasília é uma cidade atípica. Seus governantes, responsáveis por projetos mirabolantes, idem. Isso ficou demonstrado mais uma vez na terça, 14, quando Rodrigo Rollemberg, corado e sorridente, entregou a Joe Valle, presidente da Câmara Legislativa, projeto de criação de um instituto para assumir as rédeas do Hospital de Base. Do lado de fora, nuvens negras cobriam a cidade, anunciando a tempestade que desabou horas depois.
O governador abriu um precedente perigoso. Fez transportar observadores para uma época que a saúde pública, a exemplo do que acontece hoje, embora em menor escala, vire caso de polícia. Repete um erro histórico que está nos arquivos públicos recém-abertos. E a tempestade, em tempos de crise hídrica, será política.
Em época não muito distante, onde o Sol já ardia sob do Planalto Central, muitos vieram para Brasília, movidos pela busca de um hospital “para chamar de seu”. Assim como no filme de Audrey Wells, no roteiro candango, a felicidade também chega pelas mãos do galã. A diferença é que por aqui, são dois.
A verdade é que a “inovadora” ideia de criação de um instituto, em substituição ao Hospital de Base de Brasília, permitindo que alguns possam ter seu próprio hospital, criminaliza a política ao desviar a atenção dos incautos para aquilo que sempre foi a mazela da saúde distrital: a relação promiscua entre o sistema público e as empresas privadas.
Chama a atenção o fato de que a proposta de lei proíba, com acerto, a impossibilidade de que os futuros diretores do novo instituto possuam relação ou grau de parentesco com político até o 3º grau. Porém – e aí reside um dos problemas – isso não será aplicado em relação às empresas privadas.
Dono da caneta, Rollemberg não desconhece a influência política de determinados detentores de poder nas diversas unidade de saúde do Distrito Federal. Essa, contudo, não é a razão das mazelas vividas pela saúde pública.
Segundo um profissional que há mais de 25 anos conhece a gestão da saúde no DF, a maior mácula não é essa influência política, mas a empresarial.
O poder político se faz sentir na tentativa de conseguir uma vaga de UTI, um atendimento mais prioritário para um paciente. Gestos que contabilizam votos. O prejuízo não é financeiro, mas moral. Consequentemente, eticamente reprovável.
Na outra vertente se encontra a influência empresarial, essa sim, danosa, pois na maioria dos casos conta com a participação efetiva, direta, de servidor da saúde que mantém vínculo, formal ou informal, com determinada empresa, de modo que busca sempre obstaculizar o serviço de saúde para favorecer a empresa a que se encontra vinculado.
Segundo a mesma fonte, que aceitou conversar com Notibras sob o compromisso de sigilo, um caso emblemático ocorreu no próprio HBB, no final dos anos 80 e início dos anos 90, quando havia convênio entre a SES e empresas de RX e imagens, para a realização dos exames.
Na época chamou a atenção das autoridades, inclusive policiais, o fato de os aparelhos do HBB viverem em manutenção. Já os das empresas, embora usados em maior volume, dificilmente estragavam, mesmo sendo da mesma marca e modelo.
Algumas investigações foram encetadas. Apurou-se, então, que parte do corpo de saúde que trabalhava na área mantinha vínculo com as empresas contratadas. Na época as investigações foram encaminhadas às autoridades e, estranhamente, jamais tiveram continuidade.
Se o que Rollemberg busca é a gestão isenta da saúde, adverte esse especialista, basta manter os servidores longe não apenas dos políticos, mas especialmente das empresas privadas. Se agir assim, o governador demonstrará que sob o Sol de Brasília também é possível ser feliz e ter saúde, e não só na Toscana.