Não se sabe exatamente como Teodoro virou mendigo, mas virou, como qualquer um que passa pelas primeiras quadras da Asa Norte. pode facilmente constatar. Vestes que parecem trapos, cabelos desgrenhados, qualquer moita ou muro serve de banheiro, a cachaça para esquecer as amarguras diárias, entranhadas que nem amálgama naquele ser, que há tempos deixou de ser humano.
Quem passa, torce a cara. Cada dia pior! Esses vagabundos são maiores mazelas que os ratos. Cadê a polícia que não prende esses bandidos? Ao menos umas boas coronhadas para ver se aprendem. Aprendem nada! Por que não voltam para suas casas? Que casa? Ah, conta outra, pois todo mundo tem casa. Tem? Só me falta aparecer por aqui um padre que nem aquele de São Paulo. Nunca vi gostar tanto de gente miserável. Gente? Vermes, isso, sim!
De resto a resto, Teodoro sobrevivia. Comida azeda ou estragada, tanto faz, o prejuízo já estava garantido mesmo antes do amanhecer do dia, que chegava castigando as vistas cansadas de ver tanta desgraça. Mais um gole para descansar debaixo de uma árvore. Nada de marquise, pois aqueles seres, que são humanos, não gostam.
Pois foi num final de tarde, quando o indigente repousava sob a proteção da copa de uma mangueira, que um casal, não mais de 40 anos, passou. O homem, talvez com o coração mais duro, cutucou a mulher e apontou para um vira-lata que se aproximou do moribundo. Focinho colado ao rosto do mendigo, lambeu-o sem qualquer cerimônia.
— Olha lá, amor, aquele cachorro lambendo a cara do maltrapilho.
— Que nojo!
Ao sentir aquela língua na face, Teodoro sorriu e confidenciou para o amigo de última hora: “Obrigado, estava precisando disso!”
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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