A política brasileira é um tema cada vez mais tenebroso, beirando as raias do insuportável. Lembrar do assunto só em casos extremos, do tipo ter de escrever sobre ele. Nos tempos atuais, muito pior do que tretar a respeito da matéria é buscar referências ou análises menos macabras acerca da pandemia. Como diz um famoso humorista nordestino, Covid é igual a chifre: quem ainda não teve, vai ter; quem já teve, pode ter novamente; e muitos já tiveram e nem sabem. Brincadeiras à parte, o caos é bem por aí. Apesar dos números crescentes e alarmantes, os negacionistas continuam agindo aberta e solenemente em defesa da morte. Como a justiça divina não falha, a assustadora senhora de foice e capa preta começou a alcançá-los. Aqui se faz, aqui se paga. Se preferirem, cito um ditado mais ameno: pau que dá em Chico dá em Francisco.
Em resumo, os hospitais e os céus estão abarrotados dos antivacina. Resguardada minha vocação cristã, que assim seja! Amém! Partiram por causa da imbecilidade. Prestarão contas lá em cima ao aiatolá Olavo de Carvalho, o pai de todas as sandices. Os menos radicais parecem preocupados e loucos para que os fanáticos por tolices sumam na poeira da própria estultice. E estão sumindo. Melhor dizendo, estão voltando ao pó. Longe dos olhos do presidente da República, seu onipotente chefe, o ministro da Saúde, o pendular Marcelo Queiroga, afirmou com todas as letras no fim de semana que o Brasil ainda não chegou ao pico da nova onda da Covid-19 causada pela variante Ômicron.
A maioria dos brasileiros acredita que ele (o ministro) ainda sabe o que diz. Se esqueceu, um dia também será cobrado por isso. Sentados, os colegas de profissão o estão esperando para explicações. Ainda que faltem mais tantos adeptos na composição da seita contra a pandemia, a procissão na contramão do vírus se mantém com o mesmo frisson de dois anos. A ladainha não mudou. Reitero que, se algo mudou, foi a pontaria do vírus: agora ele só alcança os que preferiram a dor. Infelizmente, a doença teima em também atingir os do amor. A semana começou com mais um título de peso para o Brasil: terceiro do mundo em mortes nessa onda da Ômicron da Covid.
Conseguimos superar todos os países europeus, ficando abaixo apenas dos Estados Unidos e da Índia. E qual foi a resposta de sua excelência ou de seus seguidores? Nenhuma. Apenas novas negativas e fake news cada vez mais nocivas. Associado à tensão da disputa presidencial, ao caos econômico, à desorganização absoluta do Estado, à inoperância administrativa, ao cansaço popular e, por fim, à demência sanitária decorrente de uma pandemia negada mesmo quando já atingimos à cruel marca de 635 mil mortos, o vírus continua tão letal como o que sai da boca e da alma do mito que não se assume como exemplo vivo de inoperância e de incapacidade.
Só para citar alguns dos centenas de pensamentos ou frases do presidente ironizando o flagelo que se avizinhava, lembro que, em março de 2020, no início da doença, ele disse que, “depois da facada, não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar”. Derrubou o mundo e o Brasil. Também em março, afirmou que “brevemente o povo saberá que foi enganado por esses governadores e por grande parte da mídia na questão do Coronavírus”. Quem se enganou? No mesmo mês, afirmou que “o vírus é uma onda e vai passar”. Ainda não passou. No mês seguinte, pensou pior: “Desconheço qualquer hospital que esteja lotado. Não é tudo isso que estão pintando”. Errou feio.
No melhor estilo, cada enxadada é uma minhoca a mais na cabeça do eleitor. Em maio ele tascou essa pérola: “Quem é de direita toma cloroquina. Quem é de esquerda toma tubaína”. Incrível, mas o mito desfia esse rosário de maledicências até hoje. A mise em scene e a batalha pela desinformação continuam. O que acabou foi o crédito do povo brasileiro. Parafraseando o próprio presidente em sua obra literária contra o vírus, por antecipação a gente lamenta pelos derrotados, mas é o destino de todo mundo que não tem voto. Como sempre prefiro ficar com a pureza das crianças, diria ao líder máximo da nação que ele calado é um poeta. Lembro ainda que o Brasil poderia mudar pelo seu exemplo, não pela sua opinião. Essa é e sempre será catastrófica. Tomara que o fim esteja próximo.