Poucos brasileiros ainda duvidam da fragilidade do governo do tenente Jair Messias. Na verdade, a maioria desses poucos brasileiros tem certeza de que o presidente vem se fragilizando desde o primeiro dia do mandato, quando começou a praguejar contra Deus e o mundo e, de quebra, se apequenou diante dos demais poderes. Com um, escolheu dois ou três de seus representantes e, como menino mimado, bateu boca publicamente por questiúnculas eletrônicas vencidas faz 25 anos. Refiro-me ao Judiciário, mais especificamente ao Supremo Tribunal e à Justiça Eleitoral. Tudo porque, sozinho, entendeu que atacar o sistema de votação, hoje uma instituição nacional, poderia justificar uma eventual derrota nas urnas.
Perdeu a briga antes mesmo que, aberta a primeira urna, os cerca de 150 milhões de eleitores tivessem certeza de que a verdadeira fraude estava na frustrada tentativa de sugerir a possibilidade de fraude na maquininha de votar. O feitiço acabou atingindo em cheio o aprendiz de feiticeiro. Para os mais apegados aos ditados populares, o que parecia chifre na cabeça de cavalo acabou se transformando em um monte de pelos nos ovos das emas que habitam o Palácio da Alvorada. Como pensador mais ortodoxo prefiro dizer que o anunciado tiro de bazuca não passou de um desses traques usados pela meninada durante os festejos juninos e julinos. Ou seja, ficou só no cheirinho.
Com o outro poder, após dancinhas jocosas para minar determinados líderes, teve poucas alternativas, pois logo percebeu que, caso não fizesse o jogo de poder de parte do Parlamento, ficaria refém de sua incompetência. Derreteu como um boneco de neve exposto ao sol escaldante das cidades menos calorosas ao bolsonarismo. Por isso, foi obrigado a render-se rapidamente à corte dos caciques do Centrão, hoje o chefe dos chefes de toda extensão da Esplanada dos Ministérios, incluindo todos os espaços do Palácio do Planalto. Melhor dizendo, principalmente dos espaços do Planalto. Ao contrário de gestões de passado recente, virou a administração do toma lá e não precisa dar cá.
No fim e ao cabo, basta que permitam ao mito continuar fingindo que governa. Algo pior do que a rainha da Inglaterra, que ainda é merecidamente idolatrada, isto é, os súditos a veneram sem a necessidade de destilar ódio contra os críticos da monarquia. Aliás, depois de 70 anos de reinado, os britânicos idolatram a nonagenária Elizabeth pela paz, serenidade e segurança que ela e a família oferecem ao Reino Unido. Infelizmente, não temos orgulho do que nos é oferecido diariamente. Além de um arraigado negacionismo, nosso cardápio varia quase nada: são muitas ameaças, gritos que ultrapassam os limites do tolerável, xingamentos que ruborizam as honradas senhoras do baixo meretrício e pouco, muito pouco trabalho. Sem medo de ser injusto, faço coro aos vários memes do zap zap que gozam da baixa produtividade do governo.
Autoexplicativo, um deles revela que, ao somar sua idade com a quantidade de coisas boas produzidas por Bolsonaro nesses três anos e sete meses de governo, qualquer brasileiro terá como resultado sua própria idade. O “autor” da pilhéria vai mais longe e afirma que a matemática é inquestionável. “Lá na repartição deu certo com todo mundo”. Brincadeiras à parte, a fragilidade citada no início da narrativa tem tudo a ver com a cega, barata e já duvidosa idolatria. O que parecia um mito a ser conservado no álcool 70 virou poeira. Sobraram os fundamentalistas. Sem amor próprio, estes acabaram transformando uma extemporânea adoração em odioso fanatismo por quem nada fez ou faz de bom. Não torço e jamais torci contrariamente aos eleitos democraticamente.
Entretanto, não dá para simplesmente embrulhar esses três anos e sete meses e jogá-lo na primeira lixeira aberta de um condomínio ou de uma comunidade. Os bolsonaristas que conseguiram sobreviver à fase mais aguda do negacionismo oficial sabem do que estou falando e devem estar repensando o voto. Já os que não acreditaram na vacina e partiram dessa para melhor devem ter se revirado no túmulo com as últimas novidades do governo. Cloroquina, Ivermecrtina, Donald Trump, Globo Lixo, golpe na democracia, gritos contra o STF e TSE, acusações de fraude na urna eletrônica e cantorias para exorcizar o Centrão ficaram para trás. Tudo isso está incorporado ao anedotário político, mas são informações que atualmente poderiam ser avaliadas como divertimento de crianças.
Hoje, a história é mais cabeluda. Muito mais incômodo para quem insiste em defender o mito é fazer de conta que orçamento secreto e mensalão não são equivalentes. Ainda mais embaraçoso é aceitar como normais denúncias de assédio sexual, pastoreio de dinheiro público para igrejas mambembes e o “esquartejamento” da Amazônia. E não adianta o presidente e seus apoiadores raiz acharem que o pacote de bondades será suficiente para reconduzi-lo à Presidência. Com cheiro de cheque sem fundos à população mais carente, o tal pacote talvez o leve ao segundo turno. Caso haja, os votos que seu principal adversário perdeu em 2018 e provavelmente deixará de ganhar na primeira volta serão suficientes para levar o tenente ao ostracismo definitivo. Em síntese, não é sempre que a araruta tem seu dia de mingau.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978.