“Quando cheguei à unidade a primeira vez, eu estava com depressão, sem chão, sem vontade de nada, e eles me ajudaram em todas as situações, tanto psicologicamente quanto com alimentos, apoio, conselhos. O tempo que eles disponibilizam para a gente é crucial. Quando cheguei, não tinha trabalho, eu e meus quatro filhos. Depois, tive um AVC, e eles também me ajudaram nesse período. É o lugar onde eu achei o meu valor, porque fui abusada muito tempo, e achava que não merecia, que não poderia ser feliz. Lá eu vi que tinha forças para lutar pelos meus sonhos.”
No Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres (25 de novembro), o relato da cabeleireira Vânia (nome fictício) desponta como um exemplo de luta pela recuperação da dignidade. Moradora da Estrutural, ela é atendida pelo Centro de Referência Especializado em Assistência Social (Creas) desde 2017.
Vinda do Piauí depois de se separar do marido, que a agredia, Vânia foi levada ao Creas por uma amiga, teve acesso a benefícios sociais, conseguiu orientação para se reerguer e, até hoje, frequenta um grupo de terapia comunitária, que a tem ajudado a manter a autoestima. “Tive outro marido que me explorava, me bateu, ficava bêbado na frente dos meus filhos, e tive que enviar minha filha para morar em outra cidade porque ela estava dando problema aqui”, conta. “Esse apoio psicológico tem sido fundamental nos últimos anos.”
Ajuda providencial
No Distrito Federal, as 11 unidades do Creas, gerenciadas pela Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes), oferecem instrumentos para fortalecer a autonomia das mulheres vítimas de violência e de violação de direitos. Lá, elas contam com suporte para sair dessa situação de vulnerabilidade.
Pelos dados do registrados no Sistema Integrado de Desenvolvimento Social (Sids) da Sedes, o número de atendimentos desses casos no Creas subiu de 407, em 2019, para 764, em 2020. A secretária de Desenvolvimento Social, Mayara Noronha Rocha, alerta que esse crescimento pode ter sido motivado pela pandemia da Covid-19, em razão da maior convivência entre os possíveis agressores e vítimas.
“Nossos atendimentos aumentaram, mesmo de forma remota, devido à pandemia”, observa. “Então, as mulheres que procuram nossas unidades, seja um Creas, seja um Cras [Centro de Referência de Assistência Social] ou Centro Pop [Especializado no Atendimento à População de Rua], não ficaram sem assistência durante a pandemia”.
Políticas públicas
O Creas, acentua a secretária, está sempre de prontidão. “O papel do nosso atendimento é trabalhar para que as vítimas entendam que estão sofrendo uma situação de violência e quais as consequências disso”, afirma. “Depois passamos para um encaminhamento e articulação com a rede para que essas mulheres tenham acesso às políticas públicas e uma rede protetiva que permita à mulher enfrentar essa situação de violência.”
Nas unidades do Creas, explica Mayara, o atendimento compreende acesso a benefícios sociais, como programas de transferência de renda – Bolsa Família, DF Sem Miséria, Benefício de Prestação Continuada (BPC), bem como os auxílios em situação de vulnerabilidade temporária, de natalidade e calamidade e de segurança alimentar, como no programa Prato Cheio. O suporte é dado pela equipe multidisciplinar, formada por profissionais de psicologia, direito, serviço social, educação e pedagogia.
O diretor de serviços especializados a famílias e indivíduos da Sedes, Felipe Areda, destaca que, no caso da mulher vítima de violência, muitas vezes, só a denúncia contra o agressor não basta. A mulher precisa se sentir acolhida e ter uma rede de proteção para ter segurança em denunciar.
“Muitas vezes, nós pensamos que a denúncia é o primeiro passo, mas algumas mulheres não têm uma rede protetiva estruturada”, atenta. “Se ela fizer a imediatamente a denúncia, isso coloca a vida dela em risco. Então, parte do trabalho das equipes está na construção de uma rede protetiva para que essa denúncia se torne possível.”
Mayara Noronha Rocha lembra que há um cuidado nas unidades socioassistenciais para evitar o constrangimento e a exposição da mulher vítima de violência. “Aqui no DF temos outras secretarias que tratam dessa discussão, mas é importante destacar a intersetorialidade e a preocupação em tratar desse tema”, enfatiza.
Acolhimento
Na Sedes, o acolhimento temporário exclusivo da Unidade de Acolhimento para Mulheres (Unam) contempla mulheres adultas ou idosas desacompanhadas e em condições de exercer independentemente as atividades básicas da vida diária ou de dependência em grau 1, que estejam em situação de rua e/ou desabrigo por abandono, violência, migração, em trânsito no DF, ausência de residência ou sem condições de autossustento. Nesse caso, o foco não são apenas as mulheres vítimas de violência.
No total, são ofertadas 35 vagas na unidade, que, atualmente, acolhe 29 mulheres. Na Unam é ofertado atendimento psicológico e social, e a equipe socioassistencial trabalha para ajudar as vítimas a encontrar uma rede de apoio, com família e amigos próximos.
Data internacional
Instituído como 25 de novembro, o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres foi criado em homenagem às irmãs Mirabal (Pátria, Minerva e Maria Teresa), dominicanas conhecidas como Las Mariposas, que se opuseram à ditadura de Rafael Leónidas Trujillo e foram assassinadas em 25 de novembro de 1960.
No 1º Encontro Feminista Latino-Americano e Caribenho de 1981, realizado em Bogotá (Colômbia), a data do assassinato das irmãs foi proposta se transformar em marco de luta e solidariedade. Em 17 de dezembro de 1999, a Assembleia Geral das Nações Unidas reconheceu oficialmente 25 de novembro como o Dia Internacional da Eliminação da Violência contra a Mulher. No Brasil, em 1980, foi criado o Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher – 10 de outubro.